Capítulo
6 – Objetivo: um murro na cara do veterano folgado
Gostaria
de iniciar citando, aqui, um trecho de outro livro meu (no caso, o livro “Triste
ao sonhar com os anjos”), onde eu consegui definir de maneira muito exata o meu
“estado de espírito” ao iniciar o colegial na escola Objetivo: “Não era porque
eu não queria me comunicar com ninguém: na verdade, eu não tinha realmente nada
a dizer. Toda minha infância e parte da adolescência foi marcada por desenhos
animados antigos, computadores dos anos 80 e rock dos anos 60. O meu silêncio
dentro da minha sala de aula do colegial era decorrente da incompatibilidade
entre os meus gostos pessoais e o gosto dos meus colegas. O grande lance da
época era sair aos fins de semana para se encontrar na boate Camaro ou numa
lanchonete chamada Baby Batatas. Aquilo não fazia o menor sentido para mim,
então por que eu deveria comparecer a estes locais contra a minha vontade?”
Sim, se eu já era um cara introvertido no ginásio, no colegial esse fato se
acentuou cada vez mais. Uma escola nova, uma classe nova, muitos colegas novos...
Fiquei muito inseguro em relação aos fatores citados, apesar dos meus novos
colegas de classe serem maravilhosos.
Um fato curioso, no final da década
de 80 e início da década de 90, eram os trotes. Sim, quem se formava na oitava
série, no caso os garotos, tinham as cabeças raspadas e sofriam com os trotes,
a coisa mais inútil da face da Terra, conforme sempre foi a minha opinião. A
única exceção em relação a essa minha opinião foi, muitos tempos depois, na
faculdade de Design, onde os calouros ou “bixos” (sim, conforme a tradição, se
escreve com “x”) eram fantasiados no primeiro dia de aula (eu, por exemplo, fui
o personagem Megaman). Muito legal! Ainda assim, para conter algumas pessoas
adeptas ao “trote violento”, sempre que possível, procurava orientar o pessoal
da minha classe, tipo “olha, vamos pegar leve com os bixos”. Felizmente, as
minhas orientações eram acatadas, sem maiores problemas.
Quando entrei no primeiro colegial do
Objetivo, em 1991, a diretoria havia proibido o trote, pelo menos os “trotes
físicos” (cortar o cabelo, por exemplo), apesar que a referida proibição havia
chegado tarde demais, visto que muita gente já havia ficado careca nessa época.
Eu escapei, nunca conseguiram me pegar, algo que me orgulha muito. O problema
foi que, por causa disso, o trote em um sentido mais “psicológico” foi o
substituto natural ao “trote físico”. Dentro da escola, eu tive sorte pelo fato
de boa parte dos “veteranos ficarem com dó” de me maltratarem, pelo fato de eu
aparentar ser apenas um garotinho (sim, como sempre, eu aparentava ter uma
idade muito inferior à minha verdadeira idade). Às vezes, até tiravam um
“sarrinho” por causa disso, mas nada mais grave. O grande problema foi o que
aconteceria no ônibus, no fim da aula, ao regressar para a minha casa. Sempre
tive a vantagem de poder pegar vários ônibus diferentes, pois vários deles se
dirigiam ao meu bairro. Aquela minha ansiedade referente ao meu medo de pegar o
ônibus pela primeira vez já havia sido superada, porém foi substituída por um
outro tipo de ansiedade, talvez muito pior. Vou explicar.
Dos vários ônibus disponíveis, o melhor era o do Jardim Pagani, pois era o que parava mais próximo de casa, em
relação aos outros (não era “tão mais perto assim”, mas era o melhor).
Era, também, o ônibus que passava primeiro no ponto. Logo no primeiro dia, quando entrei no
referido ônibus, percebi que os “veteranos” estavam “zoando” muito com alguns
“bixos” que eu conhecia de vista. Aqui, cabe uma crítica: percebam que eu estou
escrevendo a palavra “veterano” entre aspas. Pudera, aqueles caras eram
“veteranos” em quê? Um bando de moleques em torno dos 16 anos, totalmente
inexperientes em relação à vida, achando que eram os maiorais. Pergunto, mais
uma vez: “Veteranos” em quê? Veteranos eram, por exemplo, nossos pais, que já
trabalhavam há muito tempo para nos sustentar e nos dar um bom padrão de vida,
além de outros sacrifícios que deveríamos agradecer até o fim de nossos dias.
Bom, continuando: pelo fato de eu aparentar ser bem mais novo, nenhum
“veterano” percebeu que eu era um “bixo” do primeiro colegial, visto que eu
ainda não era conhecido por ninguém. Porém, uma garota que eu não sei ao certo
quem foi, naquele dia, me “dedurou” para os veteranos, segundo uma amiga minha
me contou algum tempo depois. Assim, começou aquela “zoação” em relação à minha
pessoa por parte dos “veteranos”, que de início eu até encarei com bom humor.
Uma “zoação” que, apesar de não concordar, eu achava inevitável.
Com o passar dos dias, porém, percebi
que um dos “veteranos”, que chamava Vel, começou a nutrir um certa antipatia
por mim, que refletia nas provocações que ele me fazia dentro do ônibus. Já não
era apenas um caso de trote de um “veterano” para com um “bixo”, e sim de uma verdadeira
rixa pessoal para comigo. São coisas que são difíceis de entender, visto que eu
era um cara muito pacífico, quieto, que não amolava ninguém. Sempre respeitei e
tratei bem as pessoas, seja qual fosse o tipo de personalidade de cada uma
(mais introvertida ou extrovertida), mas, em relação às pessoas pacíficas, confesso
que eu sempre tive um carinho muito maior. Vel, provavelmente, deveria ter uma
outra visão das coisas, tipo “uma pessoa pacífica é bem mais divertido de se
‘zoar’, pois é uma pessoa inofensiva”. Outra coisa que não posso me esquecer de
citar, para comprovar que era uma rixa pessoal: os outros “veteranos” do
ônibus, naquela altura, nem me “zoavam” mais, apenas o Vel. Como descíamos, por
coincidência, no mesmo ponto de ônibus, ele aproveitava a ocasião para me dizer
coisas horríveis. Certa vez, Vel me disse, por exemplo, que eu era uma pessoa
muito feia (como se ele fosse o cara mais lindo do universo). Não convém nem
comentar a fundo a grosseria de uma crítica dessa natureza, a “deselegância” de
você chegar em alguém e dizer que ela é feia (inclusive, falei sobre isso no
primeiro capítulo, sobre a atração superar a beleza). É claro que, no início,
eu fiquei ofendido por causa disso, mas eu jamais acreditei nas palavras de Vel
em relação à minha aparência, pois eu me lembrava do interesse de Ashley por
mim, nos últimos tempos de ginásio. Mesmo não sendo bonito, eu consegui atrair
a atenção de uma garota, era isso o que importava. A referida lembrança me
ajudou muito, nesse sentido, a superar essa ofensa específica de Vel. Mas devo
acrescentar que ele me fez ofensas muito piores do que essa, com certeza. Até
que a minha paciência esgotou.
Foi inevitável, comecei a nutrir uma
grande mágoa por Vel. Eu não merecia ouvir aquelas provocações. Então, um dia,
antes de descer do ônibus, Vel chegou perto de mim, aproximou os seus lábios
próximos ao meu ouvido e começou a me ofender, aproveitando que estava
acompanhado de uma amiga dele. Um lance para se mostrar para a garota,
provavelmente. Confesso que não pensei muito: fechei meu punho direito e
direcionei um forte murro na direção do seu rosto. Infelizmente (ou talvez
felizmente, dependendo do ponto de vista), ele percebeu minha atitude e, com
reflexos muito rápidos, tentou desviar do soco, que chegou até atingir o seu
rosto, porém de “raspão”. Inicialmente, Vel ficou estarrecido com a minha
atitude, com a minha ousadia em desferir um murro na cara dele, um murro na
cara de um “veterano”. Depois ele ficou possesso e disse que, assim que o
ônibus parasse, ele iria me pegar de “porrada”. Eu respondi: “Tudo bem, me
pegue de ‘porrada’ então”. O curioso é que, no passado, sempre que me envolvi
em alguma briga, era algo comum eu ficar ansioso (mesmo sabendo que as chances
de ganhar as referidas brigas estavam ao meu favor, o que não era o caso,
naquela situação específica). Não foi o que aconteceu naquela ocasião: eu
estava com tanta raiva de Vel que a minha ansiedade nem se manifestou. Conforme
sempre digo, muitas vezes a raiva não pode ser considerada um sentimento ruim,
visto que ela nos dá coragem para enfrentarmos as situações difíceis. Diferente
da ansiedade, que nos deixa prostrados, com medo, sem ação. Assim, desci do
ônibus e rapidamente me virei em direção à porta, imaginando que Vel chegaria
me agredindo com tudo. Ele desceu e veio em minha direção. Diferente do que eu
imaginava, ele apenas se aproximou e ficou me encarando nos olhos por algum
tempo. Vel era maior que eu e poderia ganhar uma provável briga facilmente. Porém,
logo em seguida, ele apenas me deu as costas e foi embora com a sua amiga. Quem
sabe, ele não quis mostrar a ela sua ignorância, agredindo um garoto menor que
ele. Enfim, não posso dizer com certeza o que se passou na cabeça dele.
Após toda a situação relatada, tive
minhas dúvidas em relação ao meu futuro no Objetivo. Será que eu sofreria
represálias dos “veteranos”, por causa da minha ousada atitude? Decidi que o
melhor a se fazer seria pegar outro ônibus diferente, a fim de me afastar de
Vel. Na escola, eu quase não me encontrava com ele, então o referido
afastamento não foi algo tão difícil de se realizar. Nas poucas vezes em que
cruzei o seu caminho novamente, Vel, pelo menos, nunca mais me ofendeu. Assim,
provavelmente, nenhum veterano deve ter ficado sabendo do caso.
Durante o período do primeiro e segundo
colegial, nenhuma garota específica havia me chamado a atenção. Eu ainda amava
Ashley, mesmo não sabendo do seu paradeiro. O fato só iria mudar no terceiro
colegial, quando conheci Ingvill, por quem me apaixonei. Falaremos sobre isso
no próximo capítulo.
Oi Alê! Foi mesmo muito amedontrador esse início no Objetivo. Eu fiquei muito assustada nos primeiros dias. Era uma escola com muita gente, haviam os "veteranos" e o tratamento bem diferente do que estávamos acostumados no Colégio.
ResponderExcluirCheguei a falar para minha mãe que eu não queria mais ir lá.
Seus textos estão me fazendo relembrar essa época. Foram muitos bons momentos, mas cheios de dificuldades que precisavam ser superadas e conflitos.
Um abraço
Oi Camélia, obrigado por acompanhar o blog.
ExcluirRealmente, estudar por tanto tempo no São José e depois entrar em uma nova escola foi muito amedrontador. Eu me tornei, naquela época, uma pessoa bem introvertida, o que muitas vezes era confundida como uma atitude de arrogância de minha parte. Mas, pelo menos, foram dificuldades que aos poucos foram sendo superadas, conforme você disse. Grande abraço.