Livro: Triste ao sonhar com os anjos
Capítulo 2 – Uma gangue de meninas
Conheci Lang por volta de 1991,
durante um jogo de bolinhas de gude (ou “búricas”, conforme o pessoal chamava
as referidas esferas). Ele era um cara amistoso, porém, por algum motivo, se
desentendeu com Paul durante o jogo. Alguns dias depois, quando eu conversava
com Lang, o mesmo me pediu licença para se retirar, pois havia marcado uma
briga com Paul naquele horário e não poderia se atrasar. Parecia coisa de
filme.
Conforme relatei anteriormente, Lang
era um cara totalmente atípico para os padrões que eu conhecia até então. Tinha
estatura média, cabelos castanhos e lisos (penteados para baixo, com uma
franja), fala “arrastada” e “errante” (trocava as consoantes “b” por “p” e “d”
por “t”), andar rápido e compenetrado, risada alta, senso de humor “doentio”,
entre outras características. Pode até aparentar que Lang, pelo seu jeito de
ser, fosse um cara repugnante. Mas a verdade é que justamente as suas
características anormais o tornavam um cara interessante e querido por todos.
Muitas pessoas pensavam, em um
primeiro momento, que Lang era um cigano, visto que sua família morava em uma
barraca montada em um terreno baldio, localizado próximo ao Grass Valley. Na
verdade, a família de Lang passava por problemas financeiros e, sem dinheiro
para pagar o aluguel, tiveram que optar por viver nessa morada não muito
convencional. A barraca era grande, organizada, dividida em compartimentos, enfim,
muito bem montada.
Lembro que as primeiras garotas que
conhecemos, em 1991 (mesma época em que conheci Lang) moravam no jardim Pagan.
Mas apenas uma dessas garotas se destacou entre as demais.
Tudo começou com uma enorme árvore
que existia atrás da casa de Jim. Essa árvore possuía galhos compridos e pontiagudos e, quando esses
galhos secavam e caíam, utilizávamos os mesmos como espadas (sério, sem
brincadeira). Organizávamos inúmeros combates entre nós, como se fossemos
verdadeiros “espadachins”.
Um dia o pessoal resolveu ir ao
jardim Pagan, bairro vizinho do nosso, munidos de suas espadas. Eu não estava
presente nesse dia, mas Adam Ball me contou tudo o que aconteceu. Nossa turma
acabou encontrando, ao acaso, um grupo de, aproximadamente, cinco ou seis
garotas que moravam por lá. E elas convidaram Adam Ball e a turma para
brincarem com elas de esconde-esconde ou de alguma brincadeira similar, não me
lembro ao certo. Tudo começou bem, com todos brincando e se divertindo numa
boa. A idade das garotas era bem próxima à idade de Adam Ball, de Lang e de
Sylvain (irmão mais novo de Adam Ball), que estavam presentes nessa ocasião,
juntamente com outros membros da turma que agora não consigo recordar. Mas,
enfim, a idade deles girava em torno de 14 e 15 anos de idade.
Num certo momento, sem mais nem
menos, as garotas começaram a xingar os meus amigos. É claro que, na idade em
que eles estavam, não existiu aquela reação tipo: “Ei, o que está havendo,
porque vocês estão nos xingando?” A decisão mais óbvia, por parte deles, foi a
de pegar as espadas e atacar as garotas, sem rodeios. Começou aquela batalha, e
os caras começaram a quebrar as suas espadas de galhos nas pernas das meninas.
Durante a batalha, a suposta líder das garotas apareceu. Ela era uma garota alta,
que aparentava ter uns 17 anos. Ela não se meteu na briga, mas começou a dar
ordens às suas subordinadas, do tipo: “ataque aquele cara ali”, “acerte o seu
rosto”, “direcione corretamente o seu soco”. Por fim, como a briga não acabava,
nosso grupo resolveu finalmente abandonar o campo de batalha, correndo para Grass
Valley, ouvindo os insultos das meninas ao longe. Elas achavam que a minha
turma havia “arregado”, fato que fez com que elas ficassem radiantes de
felicidade.
Apesar do suposto “arrego” de nossa
turma, todos estavam muito contentes com essa cena de ação ocorrida. Afinal,
era algo cinematográfico estar enfrentando uma gangue de garotas que, ainda por
cima, tinham uma poderosa líder no comando. Até eu fiquei entusiasmado com a história,
quando Adam Ball me contou. Como nos filmes, pensamos que o óbvio seria
derrotar as garotas integrantes da gangue e, no final, enfrentar a poderosa
líder em um difícil combate, onde apenas um sairia vitorioso (!?). Nossas ideias
eram realmente megalomaníacas e exageradas, mas o que esperar de um bando de
garotos na flor da idade? Alguns dias mais tarde, acabamos organizando as
nossas espadas e nos preparávamos para a revanche contra a gangue de garotas.
A rodovia San Dimas, que fazia
divisa entre o Grass Valley e o Jardim Pagan, estava interditada naquela época.
Na verdade, o asfalto havia sido totalmente destruído e iriam refazê-lo
novamente, só que agora duplicando a pista. Então aproveitávamos a situação
para ficar brincando por lá. Numa dessas ocasiões, o nosso amigo Chad apontou o
dedo para uma menina que estava ao longe e nos disse: “Lá está ela! É a líder
das meninas!” Assim, fomos até uma distância em que a garota pudesse nos ouvir
e a chamamos para um combate. Ela, então, se dirigiu à destruída rodovia San
Dimas e se juntou a nós. Pela memória de meus amigos, não dava para ter certeza
se ela era, realmente, a líder das meninas do Pagan. A misteriosa garota se
apresentou a nós, dizendo que o seu nome era Sammy. Ela era uma garota
realmente bonita, alta, de olhos verdes e cabelo liso escuro. De qualquer
forma, como a “galera” ficava brincando de “lutinha” nos escombros da antiga
rodovia, Sammy disse que sabia lutar judô e resolveu participar da brincadeira.
Ela era bem corajosa e lutava quase de igual para igual com os meninos. Sammy
mantinha as suas unhas crescidas e afiadas, usando-as para se defender e
golpear, quando necessário.
Como nossa turma se encontrava
direto na rodovia, Sammy começou a passar as suas horas com a gente, numa de
relação de amizade para com uns e ódio para com outros. Sylvain, inclusive, já
estava perdidamente apaixonado por ela. Lang, por sua vez, ficava “zoando” e
dizendo as maiores obscenidades para a garota. Freddy (meu irmão) e Adam Ball
tinham uma relação de rivalidade com Sammy, por causa das lutas. Eu, no meu
caso, era neutro: não a amava, mas também não a odiava.
Aconteceu que, numa certa ocasião,
onde estávamos brincando de lutar, Lang começou a provocar Sammy. E ela
resolveu apelar: pegou um enorme “torrão de terra” e acertou o olho de Lang,
ferindo-o gravemente. Adam Ball, que já mantinha uma relação de rivalidade para
com a garota, não se conteve: veio correndo a toda velocidade e acertou uma
“voadora” em Sammy, fazendo-a cair no chão. Ela, por fim, havia sido derrotada
pela última vez. Foi a batalha final.
Depois disso, paramos, finalmente,
com essas brincadeiras violentas, já que alguém poderia se machucar seriamente.
Sammy e Adam Ball tiveram mais algumas brigas depois disso, mas no geral ambos
até que se davam bem. O único fato digno de nota, após o período das
brincadeiras de luta, foi o fato de Sammy ter aprisionado Adam Ball, Lang,
Sylvain, Jim e outros amigos no interior da sua casa. Felizmente, eu não estava
presente nessa ocasião. Sammy havia convidado os garotos para entrar em sua
casa. Quando eles entraram, ela trancou a porta e não deixou mais ninguém sair.
Somente quando a tia de Sammy chegou, depois de horas, foi que ela resolveu
liberar os garotos, que tiveram que sair escondidos da casa. Seria um
“escândalo”, caso fossem vistos pela tal tia. Depois desse fato, os encontros
com Sammy foram se tornando raros, até que ela desapareceu misteriosamente e
nunca mais foi vista. Ela com certeza não era lá muito normal.
Pelo que me lembro, foi a última história
marcante que ocorreu nos nossos últimos tempos de infância. A adolescência já
estava chegando com tudo, e os nossos problemas tomariam proporções muito
maiores a partir de agora.