quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Capítulo 3 – Qual a garota mais bonita? - Livro: Triste ao sonhar com os anjos

Livro: Triste ao sonhar com os anjos

Capítulo 3 – Qual a garota mais bonita?



            No começo de 1994, finalmente eu já estava com 18 anos e, como era de se esperar, virei criança de novo (fato que é muito normal nessa idade). Meu novo brinquedo: o carro.  Provavelmente, quase todo mundo que atinge a maioridade fica naquela ânsia de poder dirigir pela primeira vez e comigo não foi diferente.
            Nesse contexto, em certa ocasião, eu estava na esquina do Grass Valley com meu livrinho de legislação de trânsito, estudando as placas e as leis. No outro quarteirão, estavam Roy, Paul e mais alguns garotos conversando com as irmãs July e Clau, em frente à casa das mesmas. Se não me engano, acho que Lucy e Sandy estavam também. Enfim, eu folheava meu livrinho quando ouvi Roy me chamar. Eu nunca freqüentava o círculo de amizade deles com aquelas garotas, então fiquei um pouco surpreso por Roy estar me convidando a me juntar ao grupo. Aquilo foi muito estranho, tão estranho como o dia em que vi, pela primeira vez, uma ilustração mostrando o Calvário com as cruzes: Jesus crucificado entre dois ladrões igualmente martirizados. Na verdade, o motivo da estranheza foi o fato de eu sempre ver a imagem de Jesus na cruz, normalmente, pendurada em alguma parede (nas igrejas ou na casa de cristãos). Nunca havia visto uma representação real da cena, com o monte Calvário, as três cruzes fincadas no solo, o céu nebuloso, os soldados repartindo os pertences de Jesus, Maria e os apóstolos arrasados pela dor da perda. Enfim, em minha mente (nessa época, quando vi a imagem pela primeira vez, eu deveria ter uns 6 anos de idade), eu imaginava a cruz sempre pendurada à alguma parede e nunca em uma situação real.
            Quando cheguei à casa de July e Clau, Roy me apresentou a elas, apesar de eu conhecer as mesmas de vista já fazia muito tempo. Por algum motivo, fiquei bastante encabulado com a presença daquelas meninas. Talvez por eu considerar as mesmas muito avançadas, confiantes, “donas de si” e, principalmente, pelo fato delas serem bastante críticas e terem resposta para tudo (algumas vezes, respostas bastante irônicas). Apesar de notar o meu acanhamento, July foi simpática comigo, ao mesmo tempo que, percebendo a minha vergonha, fazia algumas leves piadas sobre o fato. Ainda assim, fiquei contente de poder iniciar uma amizade com aquele pessoal: era uma experiência nova e estranha (assim como a cruz de Jesus fincada ao Calvário, sob o céu nebuloso). Diferente de toda essa experiência, estar com a outra turma (Lang, Adam Ball, Jim, Walter, etc) me deixava muito mais a vontade e confiante, assim como July e Clau eram na outra turma.

*****

            Notícias corriam que uma nova garota havia se mudado para o Grass Valley, em frente a um campo de futebol que construímos com nossas próprias mãos. Quando vi Pam pela primeira vez, notei que era uma garotinha nova (deveria ter uns 12 anos), magra, cabelos negros até os ombros, com os seus óculos sempre ao rosto e suas poesias sempre ao colo, escritas com todo zelo em um caderno. Paul havia se interessado por ela e dois sempre ficavam juntos, como um casal de namorados, apesar de não o serem.
            Passou um tempo e, ainda em 1994, eu e meus amigos tínhamos o costume de ouvir rock no quintal de minha casa. Ficávamos dublando as músicas, imitando nossos “astros do rock”, enquanto meu amigo Ohara filmava toda a “palhaçada”. Denominamos estas ocasiões como sendo “Concertos Death” (“Death” era o nome de nossa banda fictícia). Lang era o “astro”, com suas piadas infames e suas imitações. Nunca havíamos chamado as garotas para participarem dos “concertos” e não me lembro quem teve a ideia de chamá-las para o “Sexto Concerto Death”.  Como era de se esperar, ficamos bastante acanhados com a presença das garotas: as irmãs Lisa e Lane eram amigas de Sandy, e as mesmas (com exceção de Lane) tinham um certa rivalidade (sem sentido) com Pam.
            Se Lang era o garoto “astro” dos “Concertos Death” com o seu comportamento anormal, Pam era com a sua beleza. Nos meses que se passaram desde quando a vi pela primeira vez, Pam passou por uma transformação radical: com os seus 12 anos, Pam agora já estava virando uma mulher, com os seus caracteres sexuais femininos em pleno desenvolvimento. Seus cabelos negros haviam crescido e agora já passavam da altura dos seus ombros. Seu corpo, anteriormente magro, agora era marcado por formas curvelíneas e delicadas. Sem os seus óculos, era possível observar em Pam olhos negros e penetrantes. A garota mais bonita do Grass Valley, naquela época, era Sandy. Porém, com o desenvolvimento mais do que rápido de Pam, ficava dúvidas em escolher qual das duas era a mais bonita. A aparência de Pam lembrava um pouco a beleza de Sammy, nossa amiga desaparecida.

sábado, 29 de novembro de 2014

Capítulo 2 – Uma gangue de meninas - Livro: Triste ao sonhar com os anjos

Livro: Triste ao sonhar com os anjos

Capítulo 2 – Uma gangue de meninas


            Conheci Lang por volta de 1991, durante um jogo de bolinhas de gude (ou “búricas”, conforme o pessoal chamava as referidas esferas). Ele era um cara amistoso, porém, por algum motivo, se desentendeu com Paul durante o jogo. Alguns dias depois, quando eu conversava com Lang, o mesmo me pediu licença para se retirar, pois havia marcado uma briga com Paul naquele horário e não poderia se atrasar. Parecia coisa de filme.
            Conforme relatei anteriormente, Lang era um cara totalmente atípico para os padrões que eu conhecia até então. Tinha estatura média, cabelos castanhos e lisos (penteados para baixo, com uma franja), fala “arrastada” e “errante” (trocava as consoantes “b” por “p” e “d” por “t”), andar rápido e compenetrado, risada alta, senso de humor “doentio”, entre outras características. Pode até aparentar que Lang, pelo seu jeito de ser, fosse um cara repugnante. Mas a verdade é que justamente as suas características anormais o tornavam um cara interessante e querido por todos.
            Muitas pessoas pensavam, em um primeiro momento, que Lang era um cigano, visto que sua família morava em uma barraca montada em um terreno baldio, localizado próximo ao Grass Valley. Na verdade, a família de Lang passava por problemas financeiros e, sem dinheiro para pagar o aluguel, tiveram que optar por viver nessa morada não muito convencional. A barraca era grande, organizada, dividida em compartimentos, enfim, muito bem montada.
            Lembro que as primeiras garotas que conhecemos, em 1991 (mesma época em que conheci Lang) moravam no jardim Pagan. Mas apenas uma dessas garotas se destacou entre as demais.
            Tudo começou com uma enorme árvore que existia atrás da casa de Jim. Essa árvore possuía  galhos compridos e pontiagudos e, quando esses galhos secavam e caíam, utilizávamos os mesmos como espadas (sério, sem brincadeira). Organizávamos inúmeros combates entre nós, como se fossemos verdadeiros “espadachins”.
            Um dia o pessoal resolveu ir ao jardim Pagan, bairro vizinho do nosso, munidos de suas espadas. Eu não estava presente nesse dia, mas Adam Ball me contou tudo o que aconteceu. Nossa turma acabou encontrando, ao acaso, um grupo de, aproximadamente, cinco ou seis garotas que moravam por lá. E elas convidaram Adam Ball e a turma para brincarem com elas de esconde-esconde ou de alguma brincadeira similar, não me lembro ao certo. Tudo começou bem, com todos brincando e se divertindo numa boa. A idade das garotas era bem próxima à idade de Adam Ball, de Lang e de Sylvain (irmão mais novo de Adam Ball), que estavam presentes nessa ocasião, juntamente com outros membros da turma que agora não consigo recordar. Mas, enfim, a idade deles girava em torno de 14 e 15 anos de idade.
            Num certo momento, sem mais nem menos, as garotas começaram a xingar os meus amigos. É claro que, na idade em que eles estavam, não existiu aquela reação tipo: “Ei, o que está havendo, porque vocês estão nos xingando?” A decisão mais óbvia, por parte deles, foi a de pegar as espadas e atacar as garotas, sem rodeios. Começou aquela batalha, e os caras começaram a quebrar as suas espadas de galhos nas pernas das meninas. Durante a batalha, a suposta líder das garotas apareceu. Ela era uma garota alta, que aparentava ter uns 17 anos. Ela não se meteu na briga, mas começou a dar ordens às suas subordinadas, do tipo: “ataque aquele cara ali”, “acerte o seu rosto”, “direcione corretamente o seu soco”. Por fim, como a briga não acabava, nosso grupo resolveu finalmente abandonar o campo de batalha, correndo para Grass Valley, ouvindo os insultos das meninas ao longe. Elas achavam que a minha turma havia “arregado”, fato que fez com que elas ficassem radiantes de felicidade.
            Apesar do suposto “arrego” de nossa turma, todos estavam muito contentes com essa cena de ação ocorrida. Afinal, era algo cinematográfico estar enfrentando uma gangue de garotas que, ainda por cima, tinham uma poderosa líder no comando. Até eu fiquei entusiasmado com a história, quando Adam Ball me contou. Como nos filmes, pensamos que o óbvio seria derrotar as garotas integrantes da gangue e, no final, enfrentar a poderosa líder em um difícil combate, onde apenas um sairia vitorioso (!?). Nossas ideias eram realmente megalomaníacas e exageradas, mas o que esperar de um bando de garotos na flor da idade? Alguns dias mais tarde, acabamos organizando as nossas espadas e nos preparávamos para a revanche contra a gangue de garotas.
            A rodovia San Dimas, que fazia divisa entre o Grass Valley e o Jardim Pagan, estava interditada naquela época. Na verdade, o asfalto havia sido totalmente destruído e iriam refazê-lo novamente, só que agora duplicando a pista. Então aproveitávamos a situação para ficar brincando por lá. Numa dessas ocasiões, o nosso amigo Chad apontou o dedo para uma menina que estava ao longe e nos disse: “Lá está ela! É a líder das meninas!” Assim, fomos até uma distância em que a garota pudesse nos ouvir e a chamamos para um combate. Ela, então, se dirigiu à destruída rodovia San Dimas e se juntou a nós. Pela memória de meus amigos, não dava para ter certeza se ela era, realmente, a líder das meninas do Pagan. A misteriosa garota se apresentou a nós, dizendo que o seu nome era Sammy. Ela era uma garota realmente bonita, alta, de olhos verdes e cabelo liso escuro. De qualquer forma, como a “galera” ficava brincando de “lutinha” nos escombros da antiga rodovia, Sammy disse que sabia lutar judô e resolveu participar da brincadeira. Ela era bem corajosa e lutava quase de igual para igual com os meninos. Sammy mantinha as suas unhas crescidas e afiadas, usando-as para se defender e golpear, quando necessário.
            Como nossa turma se encontrava direto na rodovia, Sammy começou a passar as suas horas com a gente, numa de relação de amizade para com uns e ódio para com outros. Sylvain, inclusive, já estava perdidamente apaixonado por ela. Lang, por sua vez, ficava “zoando” e dizendo as maiores obscenidades para a garota. Freddy (meu irmão) e Adam Ball tinham uma relação de rivalidade com Sammy, por causa das lutas. Eu, no meu caso, era neutro: não a amava, mas também não a odiava.
            Aconteceu que, numa certa ocasião, onde estávamos brincando de lutar, Lang começou a provocar Sammy. E ela resolveu apelar: pegou um enorme “torrão de terra” e acertou o olho de Lang, ferindo-o gravemente. Adam Ball, que já mantinha uma relação de rivalidade para com a garota, não se conteve: veio correndo a toda velocidade e acertou uma “voadora” em Sammy, fazendo-a cair no chão. Ela, por fim, havia sido derrotada pela última vez. Foi a batalha final.
            Depois disso, paramos, finalmente, com essas brincadeiras violentas, já que alguém poderia se machucar seriamente. Sammy e Adam Ball tiveram mais algumas brigas depois disso, mas no geral ambos até que se davam bem. O único fato digno de nota, após o período das brincadeiras de luta, foi o fato de Sammy ter aprisionado Adam Ball, Lang, Sylvain, Jim e outros amigos no interior da sua casa. Felizmente, eu não estava presente nessa ocasião. Sammy havia convidado os garotos para entrar em sua casa. Quando eles entraram, ela trancou a porta e não deixou mais ninguém sair. Somente quando a tia de Sammy chegou, depois de horas, foi que ela resolveu liberar os garotos, que tiveram que sair escondidos da casa. Seria um “escândalo”, caso fossem vistos pela tal tia. Depois desse fato, os encontros com Sammy foram se tornando raros, até que ela desapareceu misteriosamente e nunca mais foi vista. Ela com certeza não era lá muito normal.
            Pelo que me lembro, foi a última história marcante que ocorreu nos nossos últimos tempos de infância. A adolescência já estava chegando com tudo, e os nossos problemas tomariam proporções muito maiores a partir de agora.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Capítulo 1 – O incompatível - Livro: Triste ao sonhar com os anjos

Livro: Triste ao sonhar com os anjos

Prólogo

            Atualmente, eu me sento defronte à uma janela, onde pude observar, com o passar das horas, algo muito interessante: existe uma árvore atrás da referida janela e esta última, como possui duas divisões, divide o vegetal em três partes. Nada demais, à primeira vista. Porém, em uma observação mais atenta, pude perceber algo perturbador: na divisão do meio, o vidro da janela se encontra sempre molhado (por alguma razão que eu desconheço). A divisão do meio, por esta razão, me lembra uma pintura impressionista.


            Nos primeiros dias referentes à esta minha curiosa “descoberta”, pensei como seria agradável poder ficar olhando aquela janela por horas a fio. Porém, passado certo tempo, aquela mesma visão da janela que eu adorava começou a me entediar. Também pudera, era sempre a mesma visão, sempre a mesma coisa, todos os dias. Percebi, então, que havia uma outra janela ao lado da minha “janela impressionista”, a qual havia sido aberta, pela primeira vez, naquele mesmo dia. Esta última mostrava o telhado da minha antiga escola, mergulhado em um céu de cor azul.


            “O caso das janelas”, o qual me referi, funciona exatamente como a adolescência: até mesmo o que é legal pode nos entediar, mas sempre existe uma “outra janela” para ser aberta, onde podemos encontrar coisas novas e interessantes.

Capítulo 1 – O incompatível
            Não era porque eu não queria me comunicar com ninguém: na verdade, eu não tinha realmente nada a dizer. Toda minha infância e parte da adolescência foi marcada por desenhos animados antigos, computadores dos anos 80 e rock dos anos 60. O meu silêncio dentro da minha sala de aula do colegial era decorrente da incompatibilidade entre os meus gostos pessoais e o gosto dos meus colegas. O grande lance da época (por volta de 1993) era sair aos fins de semana para se encontrar na boate Camaro ou numa lanchonete chamada Baby Batatas. Aquilo não fazia o menor sentido para mim, então por que eu deveria comparecer a estes locais contra a minha vontade? Até mesmo Vicky, a menina por quem eu era apaixonado, gostava dessas saídas de fim de semana. Na época ela já era bonita e, até então, era a única garota de quem eu realmente gostava.
            Apesar da incompatibilidade, eu não tinha raiva dos meus colegas de classe. Até gostava um pouco deles. Eles tinham uma mania muito curiosa de “remendar” o que o professor dizia, criando frases espirituosas com duplo sentido (hoje reconheço que era uma coisa muito idiota, mas na época eu achava o máximo). Por exemplo, se o professor dizia “centeio é bom para a saúde”, alguém dizia que “a vida é tão difícil que a gente fica ‘centeio’ o que fazer”. Ou “a Cíntia está muito bonita hoje” gerava a frase “se eu não usar ‘Cíntia’ minha calça pode cair”.
            Era realmente cômico, mas não o suficiente para que me sentisse feliz comigo mesmo. Seria muito mais fácil se eu pudesse gostar do que todo mundo gostava, de ir aos lugares aonde todo mundo ia, enfim, de fazer o que todo mundo fazia, sem questionamentos, ou melhor, sem o uso da razão. E tinha também o lance sentimental do “bom coração”. Sempre fui meio “estourado”, sem paciência, mas nunca praticava a maldade. Algumas vezes eu questionava o fato de “eu ter nascido eu mesmo”. Eu poderia ter nascido na pele do meu colega de classe Kurt, por exemplo: piadista, um pouco rude com as mulheres, um pouco maldoso com os homens, sem respeito pelos professores, sem sentimentos... Se eu tivesse nascido na pele de Kurt, as coisas seriam bem mais fáceis para mim, com certeza. Viver no caminho da bondade é muito penoso, pois parece que qualquer atitude (por mais insignificante que seja) está sujeita a nos levar a cair no abismo do remorso. Tudo é motivo para o remorso! Um exemplo: certa vez, ao entrar na escola, tinha uma garota que eu conhecia sentada na escada, conversando com outra menina. O assunto deveria ser de muito interesse para as duas, visto que as mesmas conversavam e debatiam sem a menor distração. Fiquei na dúvida: eu cumprimentaria a minha colega (interrompendo a conversa) ou não cumprimentaria (no intuito de não atrapalhar o diálogo das garotas)? Optei pela segunda opção e, ao passar pelas duas meninas, mantendo o meu silêncio, escutei claramente minha colega dizendo para a outra: “Que grosso, passou e nem cumprimentou!”. Assim, como várias vezes me aconteceu, fiquei com remorso por ter tomado a atitude errada.
            Eu morava em um local apelidado de Grass Valley e minha casa ficava em um esquina (na verdade, ainda fica, pois no momento em que escrevo estas linhas eu ainda moro no referido local). Era um ponto de encontro perfeito para a reunião dos amigos, mas as coisas não andavam tão diferentes se comparadas ao meu ambiente escolar. A única diferença é que, ao invés de meus amigos se divertirem na danceteria Camaro ou na lanchonete Baby Batatas, os mesmos se dirigiam para as famosas “brincadeiras dançantes”, muito populares em meu bairro (as referidas festinhas eram apelidadas de “Brincote”). Roy, August e outros amigos, que tinham a mesma idade que eu, adoravam as “Brincotes”, mas nunca me chamavam para participar de uma. Eu ficava um pouco chateado por causa disso, mas apenas por uma questão de orgulho próprio.
            Enfim, a “atmosfera” da minha escola e do meu bairro era bem parecida. Porém, neste último, para a minha sorte, comecei a verificar novas possibilidades a serem exploradas, pois eu convivia com pessoas interessantes, ou melhor, meus próprios amigos: Jim era um dos mais novos, mas era muito inteligente e perspicaz, com as suas estórias em quadrinhos, as suas charges e seu crescente interesse por rock; Adam Ball era metódico e engraçado ao mesmo tempo, alguém em quem eu realmente podia confiar os meus maiores segredos; Walter era meio que uma mistura dos dois últimos (era apenas um pouco mais teimoso). E tinha Lang que era totalmente diferente de todos: extrovertido, comediante, algumas vezes louco, inclassificável, atípico, enfim, quase uma lenda viva. Com o passar do tempo, novas pessoas se juntaram à nossa turma. Entre elas, estava Pam, a garota por quem eu me apaixonei (e que acabou dividindo com Vicky uma parte do meu sentimento de paixão).

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Capítulo 28 – O colhedor de algodão - Livro: "A Era do ‘Make in Touch' – Os anos Unesp sem censura"

Livro: "A Era do ‘Make in Touch' – Os anos Unesp sem censura"

Capítulo 28 – O colhedor de algodão



            Por uns tempos, antes mesmo da formatura, eu senti na pele que o mercado de trabalho em Bauru estava muito concorrido, com poucas vagas. Inúmeros processos seletivos acabei fazendo, mas a concorrência era enorme (inclusive, boa parte dos concorrentes eram colegas meus de faculdade). Não consegui nenhuma vaga nos referidos processos e, por causa disso, decidi manter as aulas particulares de informática, as quais comecei a ministrar na própria Unesp em tempos anteriores.
            Apesar de conseguir vários alunos e ganhar dinheiro suficiente para me manter, o período das aulas particulares foi um tempo de muito sacrifício, de muita economia, de inúmeras caminhadas debaixo do sol (para economizar gasolina do carro). Por outro lado, foi uma época em que adquiri muito conhecimento da própria vida e também pude aprender várias coisas com meus alunos (pessoas maravilhosas, diga-se de passagem). Além disso, nessa época, pude voltar a estudar desenho de observação na escola recém fundada pelo meu amigo John e fazer alguns trabalhos “freelance” como designer recém formado.
            O problema mais sério em trabalhar por conta própria é que, muitas vezes, não ocorre aquela constância em se manter a clientela (ou os alunos, no meu caso). As vezes, passamos algumas semanas com uma quantidade enorme de serviços e outras semanas, pelo contrário, onde não se tem nada para fazer. Assim, decidi que precisava arranjar um emprego fixo, assalariado, de preferência que o trabalho fosse realizado em meio período (dessa forma, não precisaria abandonar as aulas de informática).
            Lembrei-me de uma passagem do livro de Jack Kerouac, o “On the Road”, onde o próprio Jack, para conseguir ganhar dinheiro para continuar suas viagens, aceitou um emprego de colhedor de algodão (trabalho que o mesmo jamais havia realizado). Kerouac ainda não era famoso, mas já era um escritor (inclusive, já havia publicado o livro “Cidade pequena, cidade grande”).  Decidi partir pelo mesmo princípio: poderia tranquilamente aceitar um emprego em outra área que não fosse Design. Afinal, já havia passado por tantas ocupações (como mencionei no capítulo anterior) que o senso de adaptação já estava totalmente impregnado em mim. Recordei, também, da época em que trabalhei como estoquista de autopeças, ocupação a qual eu não tinha nenhuma experiência e que pude, com o tempo, aprender a desenvolver a mesma com maestria.
            Não me tornei exatamente um “colhedor de algodão”, mas concluí que um trabalho como “operador de cobrança” seria um bom desafio e uma ótima maneira de aprender a negociar. Afinal, eu não tinha experiência nenhuma em negociar com meus clientes (e também com meus alunos). Assim, a ideia foi trabalhar no período da tarde na assessoria de cobrança e, de manhã, continuar a ministrar as minhas aulas de informática. Assim, deixei meu currículo na assessoria MC e, pouco tempo depois, fui chamado para a entrevista.
            A entrevista foi marcada no período da manhã, em uma sala enorme, repleta de candidatos (uma quantidade muito maior de candidatos que os processos seletivos de Design). Fiquei um pouco inseguro, pois sabia que, provavelmente, pelo menos metade do pessoal que estava na sala seria reprovado. Fiz a entrevista com a psicóloga e ela me disse que, caso eu não recebesse nenhuma ligação até o dia seguinte, era porque eu não havia “passado” na entrevista. No dia seguinte, felizmente, acabaram me ligando.
            Pensei que a minha vaga estava garantida, mas não foi exatamente o que aconteceu. Antes do ingresso a qualquer emprego, é necessário alguns exames médicos preliminares. E acabei não passando na audiometria, o teste de audição. Os meus estudos com som e produção de músicas da época da faculdade, os quais me dediquei com afinco, comprometeram minha audição. A minha paixão por “sound design” se tornou motivo da minha derrota. A fonoaudióloga disse que nem tudo estava perdido, visto que eu poderia fazer ainda uma limpeza de ouvido com um médico particular. Assim procedi e nenhuma espécie de sujeira, no meu ouvido, foi detectada pelo médico. O mesmo indicou que o próximo passo seria fazer uma nova audiometria (particular) e, para a minha felicidade, dessa vez eu “passei” na mesma.  Em seu laudo, o médico deixou claro que realmente eu tinha uma perda auditiva, mas que era tão pequena que não atrapalharia o meu trabalho como “operador de cobrança”. Não passei na primeira audiometria, provavelmente, pelo fato de estar nervoso ou por algum problema de saúde (rinite ou sinusite). Levei os exames realizados para a Assessoria e fui chamado, dias depois, para fazer o treinamento. Estava muito feliz por poder voltar a trabalhar, mas um pouco triste pelo fato de não ter mais coragem de mexer com produção de músicas, com medo de prejudicar mais a minha audição.
            Antes de começar a trabalhar, participei de um treinamento de duas semanas, onde tive oportunidade de conhecer várias pessoas maravilhosas como, por exemplo, o Sam (que praticamente possui os mesmos gostos musicais que eu, além de gostar de literatura também). Depois do período de treinamento, finalmente fui para a operação de cobrança, onde estou até os dias de hoje.

            Comecei a escrever o presente livro em meados de junho de 2011, sem imaginar o que escreveria no último capítulo (finalizado em novembro de 2014). Seria interessante se cada personagem que participou da história pudesse também escrever o seu próprio livro, a partir do seu próprio ponto de vista. Tenho certeza que iria render relatos muito interessantes. Quanto a mim, fico por aqui, feliz de ter terminado o livro dos anos Unesp e sonhando com o dia em que, de alguma maneira mágica, esses bons tempos possam voltar.

FIM

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Capítulo 27 – A formatura - Livro: "A Era do ‘Make in Touch' – Os anos Unesp sem censura"

Livro: "A Era do ‘Make in Touch' – Os anos Unesp sem censura"

Capítulo 27 – A formatura



            Depois de uma temporada inteira se dedicando ao Projeto de Conclusão (como expliquei no capítulo anterior), finalmente o dia da formatura chegou. Tive a oportunidade de, pela primeira vez, usar uma beca (aquela roupa do tipo “Bobby volta para casa”, popular jogo de Atari). Muitas coisas interessantes aconteceram no referido dia.
            Encontrei meu amigo Hughes logo que cheguei ao “Guilhermão”, palco onde ocorreria a “colação de grau”. Perguntei a ele “E aí, tudo bem?” e ele, carrancudo, me respondeu “Tudo bem nada, acabei de pisar numa bosta de cachorro”. Depois disso, Hughes (esfregando o pé no chão sem parar) se dirigiu ao barzinho que havia nas proximidades, para tomar um “pé queimado” (acho que era esse o nome da bebida). Uma bebida para relaxar, antes do início da “colação”.
            Pouco depois, foi organizada uma fila para a entrada triunfal dos formandos, organizada por um dos funcionários da administração. Depois de cumprimentar o mesmo, comentei que era um alívio quando ele nos atendia na administração, visto que ele era o único que nos tratava com respeito (nós, os alunos). Nunca entendi a frieza e o descaso dos outros funcionários, nunca descobri o porquê de tanto ódio para com os universitários.
            Um fato muito curioso aconteceu no decorrer da formatura. Um “veterano” e uma ‘veteranete’ (que estavam se formando também) me perguntaram se era eu quem estava naquele episódio da fuga dos “bixos” da República Vinoma (vide capítulo 4). Respondi que “sim” e eles me pediram desculpas pelo ocorrido. Fiquei surpreso, eles estavam sendo sinceros, estavam arrependidos daquele fato que foi tão terrível para mim e para os meus amigos. Para terminar a conversa, o veterano me disse que, no final das contas, não havia a menor diferença entre um “bixo” (no caso, eu) e um “veterano” (no caso, ele), já que nós dois estávamos nos formando no mesmo dia, na mesma ocasião, sem diferenças.
            E, assim, terminou a minha “participação” como aluno de Design na Unesp. Restava agora saber como seria o meu futuro. Conseguiria um emprego na área? Trabalharia por conta própria ou seria um assalariado? Na verdade, é muito estranho pensar por tudo o que passei não só no período da faculdade, mas em momentos anteriores ao meu ingresso na mesma: em outros tempos, fui um um karateka, depois um rockeiro punk de calças rasgadas, em seguida um guitarrista de rockabilly...  Enfim, foram tantas ocupações! Porém, eu nunca imaginei que, um dia, eu seria um “universitário designer” que, posteriormente, seria um formando na referida área. Mas pretendo falar a respeito do assunto no próximo capítulo (que, provavelmente, será o último). 

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Capítulo 26 - Sentimento e Insensatez - Livro: "A Era do ‘Make in Touch' – Os anos Unesp sem censura"

Livro: "A Era do ‘Make in Touch' – Os anos Unesp sem censura"

Capítulo 26 - Sentimento e Insensatez



            A rotina é realmente algo perturbador! Sempre os mesmos caminhos, sempre as mesmas pessoas, sempre as mesmas ocupações... Agora entendo como é tão fácil ficar entediado! Mas, felizmente, encontrei várias soluções para evitar o tédio que a rotina nos impõem: visitar lugares onde não vou regularmente, mudar o trajeto ao me dirigir ao meu emprego (“ao” duas vezes, não consegui encontrar uma frase melhor), conversar com pessoas que não pertencem ao meu círculo de amizades... Enfim, mudar a própria rotina, ou seja, não ficar fazendo as mesmas coisas “todo santo dia”. No entanto, me lembro que, nos tempos de faculdade, eu seguia uma mesma rotina, todo dia, e não ficava entediado. Qual era o segredo? Me arrisco a dizer que seria a enorme quantidade de trabalhos para entregar em um prazo pré-determinado pelo professor, fato que impedia a nossa mente de pensar na rotina (não dava tempo). Por exemplo: o trabalho de conclusão de curso, o qual “coloquei a minha alma” na elaboração do mesmo, fez com que a rotina mal fosse notada. Vou falar um pouco dele no presente capítulo.
             Por volta de 2009, eu já havia deixado, há alguns meses, a empresa de autopeças a qual trabalhei por 9 anos. Devido a esse acontecimento, é claro que a “ânsia” de arranjar um novo emprego estava presente. No entanto, por outro lado, uma enorme sensação de liberdade me contagiava, visto que, agora, eu tinha muito mais tempo para realizar os meus projetos pessoais. Tudo isso coincidiu com a época do trabalho de conclusão de curso, o qual eu deveria apresentar para finalmente ter o meu diploma.
            A inspiração para realizar o trabalho final ocorreu por volta de 2008, no final do último semestre de faculdade. Era na época em que meus amigos de classe Taylor e Richard moravam em um apartamento próximo ao residencial Parque das Camélias. Na ocasião, estávamos fazendo um trabalho sobre “patentes curiosas”, pertencente à disciplina de “Legislação e normas”. Foi o último trabalho regular antes de começarmos, cada um de nós, os seus respectivos trabalhos de conclusão de curso. Após o fechamento do trabalho, lembro de ter deixado Richard em seu apartamento e, de carro, por algum motivo que desconheço, resolvi seguir um caminho diferente ao voltar para casa (uma espécie de “quebra” de rotina, conforme relatei no primeiro parágrafo). Quando dei por mim, estava percorrendo a avenida principal do parque das Camélias e várias lembranças vieram à minha mente: o ano de 1995, os amigos, minha paixão por Vicky (já que ela morava no residencial Camélias), enfim, lembranças daquele passado mágico que jamais voltará.
            Certa vez, uma garota que conheci me falou a respeito de uma teoria muito interessante: todas as canções já existem antes de serem compostas e que nossa inspiração nos permite o acesso às mesmas. Como se as referidas canções ficassem vagando pelo espaço, sem rumo, e que, num acesso de criatividade e inspiração de nossa parte, as mesmas se tornassem acessíveis. Não sei se a referida teoria possui comprovação, porém poderia tranquilamente explicar o “surto de inspiração” que me ocorreu ao vagar pela avenida principal do Parque das Camélias. Naquele exato momento, uma canção, do nada, começou a ser formulada por minha mente. Lembro de até mesmo ter cantarolado o seu primeiro verso, juntamente com a melodia: “Sempre quando me sinto só você sabe onde estarei, debaixo do bloco 42, apartamento 33”. Não tinha em mãos uma caneta para anotar a letra que começou a se formar, nem um gravador para gravar a melodia que eu cantava. Para não esquecer, a solução foi cantarolar a música até eu chegar em casa. Depois disso, não me recordo com muita clareza o que aconteceu. Só sei que, alguns dias depois, eu estava com uma canção pronta para gravar, inclusive com todos os arranjos em minha mente. Nascia a música “Sentimento e Insensatez”, a melhor música que já escrevi e que realmente não me lembro com muitos detalhes o seu processo de composição. Apenas me recordo que, depois da inspiração ocorrida no carro, eu cheguei em casa e gravei uma demo no computador (essa demo existe). Em seguida, devo ter escrito a letra de maneira tão rápida e precisa que chega me falhar a memória se me perguntarem a respeito do referido procedimento.  Quem sabe, conforme aquela garota tinha me dito, a música já existisse e estava a vagar pelo espaço, apenas esperando o momento em que minha inspiração tivesse acesso à mesma?
            A partir daí, decidi que o meu trabalho de conclusão seria um Cd com as músicas que eu havia composto e que as personagens, que por sua vez ilustrariam a capa, fossem baseadas no livro o qual eu escrevia na época (Jimball Bilangs). No próprio livro, como parte integrante da estória, a banda Jimball Bilangs, no decorrer do enredo, lançaria alguns discos independentes e faria um certo sucesso em seu meio. Assim, resolvi confeccionar os próprios discos que seriam lançados no decorrer do livro, como se eu pudesse “arrancá-los” de dentro da estória e deixá-los totalmente palpáveis, no mundo real. A ideia, inicialmente, seria produzir quatro compactos (com duas músicas cada), porém, por falta de tempo (já que o trabalho de conclusão exigia um relatório um pouco complexo), acabei produzindo apenas dois discos. O estilo das canções seria o punk, com um pouco de melodias dos anos 60. No primeiro compacto, as duas canções seriam mais românticas (uma delas era “Sentimento e Insensatez”) e, no segundo, canções de protesto, daquelas do tipo “colocar o dedo na ferida”.
            Foi um ano bastante promissor o de 2009 (incluo aqui o final de 2008 também), pois, além de me dedicar ao trabalho de conclusão, participei de um projeto onde os alunos da Unesp deveriam ministrar aulas de informática aos funcionários da Universidade. Foi quando, a partir da experiência, pude perder boa parte do medo de falar em público. O fato refletiu, um ano depois, na apresentação do trabalho de conclusão, pois, ausente o medo de me expor, pude apresentar o referido trabalho com uma desenvoltura surpreendente. E, assim, terminou o meu período como estudante da Unesp. Só restava, agora, esperar a formatura.

            Podemos concluir que a rotina é perturbadora em alguns casos, porém pode se tornar algo animador, caso seja “bem explorada”. Além do procedimento de mudar a própria rotina, relatado anteriormente, é interessante, sempre, possuirmos projetos pessoais a serem concretizados: por exemplo, uma nova canção, um novo texto, uma nova ilustração... Se ocorrer a impossibilidade de alterar a rotina, que pelo menos ela nos seja agradável, assim como a rotina dos tempos de faculdade. 

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Capítulo 25 - A última festa de Design... - Livro: "A Era do ‘Make in Touch' – Os anos Unesp sem censura"

Livro: "A Era do ‘Make in Touch' – Os anos Unesp sem censura"

Capítulo 25 - A última festa de Design...  


            A última festa do curso de Desenho Industrial, a qual participei, aconteceu no ano de 2008 e foi um pouquinho “menos desastrosa” que a de 2007. Resolvi não ir de carro (por causa do arrombamento que o mesmo sofreu, na última festa), mas, em compensação, levei meus dois amigos Dezones e Burt Caldwell, que resolveram “pirar” nessa ocasião (no bom sentido, kkkkk).
            Ao chegarmos ao local da festa (o mesmo do ano anterior), Marky garantiu a entrada dos nossos dois amigos (já que ele tinha certa influência e estava ajudando na organização). Só errou na hora de apresentar os mesmos: “Pessoal, tenho a honra de lhes apresentar meus dois amigos Dezones e Burt, do curso de Geografia da Unesp de Marília”. Na verdade, os dois faziam Ciências Sociais na referida instituição. Mas, sem problemas: o importante foi que Dezones e Burt estavam dentro da festa, era isso o que importava (pelo menos, era o que eu estava achando, de início).       A decoração da festa estava muito legal, já que o tema era “circense”, com palhaços, malabaristas, “cuspidores de fogo”, etc.
            Uma cervejinha aqui, outra cervejinha ali e, de gole em gole, Dezones começou a se alterar: beijou uma garota que ele não conhecia, pegou na mão de outra, se declarou para uma terceira e assim por diante. Burt estava na mesma situação, porém um pouco mais contido, chegou a perguntar para o baixista de uma das bandas que se apresentavam na festa: “Ei, faz muito tempo que você toca baixo?”. O músico disse que já fazia bastante tempo e Burt disse que também tocava. O baixista, por sua vez, também perguntou “E você, há quanto tempo toca?”. Burt respondeu “Há uma semana”, deixando o baixista sem palavras.
            Mas a minha maior preocupação foi Dezones. Fiquei com medo que ele arranjasse alguma confusão e procurei “ficar na cola dele”, no intuito de consertar algum mal entendido. E acabei evitando um: meu amigo Reynold estava chegando com a namorada dele e Dezones foi tentar pegar na mão da mesma. Não pensei duas vezes: entrei na frente de Dezones, no intuito de “brecar” a sua má ação. Para disfarçar, dei um aperto de mão em Reynold, cumprimentando o mesmo como se não tivesse visto ele na festa ainda. Reynold retribuiu o cumprimento, mas ficou sem entender a minha atitude (não chegou a reparar em Dezones). De qualquer forma, consegui evitar uma grande confusão que poderia surgir.
            Acontece que, num dado momento, acabei perdendo Dezones de vista. Ele havia se embrenhado no meio da multidão, de maneira que não consegui vê-lo por um bom tempo. Encontrei Marky e percebi que ele reparou na minha cara de preocupação. Nem pude pedir ajuda ao meu amigo, visto que o mesmo tinha outros assuntos de gravidade maior para resolver (os quais não pretendo relatar aqui). Depois que me separei de Marky, tomei um grande susto, pois havia começado uma grande confusão, próximo à entrada da festa. Fiquei com medo que fosse por causa de alguma “aprontação” de Dezones e, assim, corri para o portão principal. Por outras pessoas, fiquei sabendo que o problema foi que um cara havia jogado cerveja no rosto de uma amiga (não sei ao certo o porquê) e o namorado dela estava querendo sair da festa para agredir o cara, que havia sido expulso do local. Apesar de Dezones não ser violento, fiquei com receio de que fosse ele o autor daquela atitude medonha. Felizmente, acabei encontrando ele ainda no interior da festa (não teve nenhuma relação com o incidente). Mas fiquei com pena da minha amiga e torci para que o seu namorado “pegasse” o indivíduo que a agrediu. Depois, não soube de mais nada a respeito da agressão, ou melhor, se tinham pegado o autor daquele ato lamentável.

            A festa terminou daquela maneira melancólica de sempre (pessoas bêbadas caídas pelo chão, poças de vômitos, etc). Nos dirigimos ao carro de Burt (que nos deu uma carona), enquanto Dezones gritava, com alegria, que a vida não prestava (?!). Dias depois, mostrei as fotos da festa para Marky e o mesmo, lembrando das aprontadas de Burt e Dezones, não conseguiu conter as gargalhadas. E, assim, foi a minha última festa de Design... 

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Capítulo 24 - E nessa altura eu pensei "...acho que não curto Design tanto assim..." - Livro: "A Era do ‘Make in Touch' – Os anos Unesp sem censura"

Livro: "A Era do ‘Make in Touch' – Os anos Unesp sem censura"

Capítulo 24 - E nessa altura eu pensei "...acho que não curto Design tanto assim..."



            No final de 2007, comecei, de forma modesta, a utilizar o computador para produzir meu próprio som. De início, foi mais uma brincadeira para com meu amigo Dias, feita com a ajuda do pessoal do meu serviço (empresa de autopeças). Ele gostava de garotas mais novas, então o pessoal resolveu compor uma música e eu fiquei encarregado de gravar. Apesar de toda a precariedade da qualidade de gravação, achei que o resultado ficou bem satisfatório, sendo a minha primeira incursão nessa área de “estúdio caseiro” e, também, levando em consideração a falta de equipamentos para gravação. Eu não tinha nem placa de som decente, nem microfones específicos, somente os instrumentos (guitarra, baixo, violão, gaita, teclado e bateria). Porém, fiquei surpreso comigo mesmo em poder tocar ou, melhor dizendo, poder me virar com instrumentos os quais eu não tinha muita familiaridade (sei tocar apenas guitarra). Assim, na sequência, resolvi gravar uma outra música, composta por meu amigo Jim em 1995, chamada “Marcomen Tira”,   que fala de um personagem que só sabia mentir (história verídica, inclusive).  A qualidade da gravação ficou similar à música “do Dias” e resolvi mostrar, com bastante receio, aos meus amigos de faculdade (Abraham e Reynold) que, para minha surpresa, acharam muito legal a minha “empreitada” (a qual eu fiz por brincadeira, sem pensar em nada mais sério). Não que a gravação fosse grande coisa (e não era, conforme relatei), mas sim pelo fato de apenas uma pessoa estar tocando todos os instrumentos em uma canção (Marky e John, que também acharam interessante o trabalho, disseram que eu era “a banda de um homem só”). A partir daí, comecei a pensar mais sério nesse assunto: quem sabe, eu poderia investir em equipamentos mais profissionais e fazer algumas gravações mais “caprichadas”, com músicas mais sérias?
            Antes de prosseguir, eu gostaria de explicar como era o meu procedimento nessa etapa inicial ou, em outras palavras, como eu fiz para gravar a música “Marcomen Tira” e a música “do Dias”. Primeiramente, eu gravava a bateria com o auxílio de um WalkMan (sim, aquele aparelho que tocava fitas cassete), ou seja, ficava todas as partes da bateria (bumbo, caixa, pratos, etc) gravadas juntas, em um “canal” só (no caso, a fita cassete). Nunca fui muito bom na “batera”, por isso eu gravava apenas as partes principais, para poder montar a bateria inteira posteriormente, por meio de “loops. Em seguida, transferia o conteúdo do Walkman para o computador e, cortando um pedaço da bateria aqui, outro ali e mais outro acolá (utilizando um programa de som específico), em algumas horas eu tinha uma faixa de bateria completa. Assim, a bateria ficava pronta para adicionar o restante dos instrumentos: eu gravava o vocal, guitarra e baixo, cada um em uma pista separada. Posteriormente, utilizava alguns programas para tratar o som e colocar os efeitos (reverb, por exemplo). E, finalmente, para a minha alegria, tinha a canção pronta, gravada de maneira “artesanal”, toda “montada” e “planejada” dentro do meu próprio quarto. Mesmo que não ficasse uma gravação perfeita (e realmente não ficou) e, também, levando em consideração as circunstâncias em que o trabalho foi realizado (sem estúdio, sem equipamentos, sem experiência, enfim, “sem nada”), eu esperava que as pessoas, no mínimo, achassem um “esforço louvável” de minha parte ter realizado o referido trabalho de gravação de uma faixa própria. Infelizmente, não foi exatamente isso que aconteceu: recebi várias críticas pelo fato da gravação não ter qualidade perfeita e, principalmente, por eu ter usado muito “eco” na gravação. Quanto à esta última informação, é nítido perceber que a crítica quanto ao “eco” foi dada por pessoas inexperientes e pedantes, pois nunca usei “eco” nas minhas gravações, e sim o efeito de “reverb”, uma espécie de “ambiência” do som (que simula lugares maiores e espaçosos). Cabe ainda mais uma informação: muitas gravações dos anos 50 (Elvis Presley, por exemplo) utilizaram o “reverb” de maneira exagerada e eu sempre gostei disso. Seria necessário mais pesquisa na área musical e menos pedantismo dos críticos, ou seja, antes de criticar, verificar a fonte na qual eu estava me inspirando para gravar as minha músicas. Agora, se a pessoa não gosta de “reverb” e desse tipo de gravação rústica dos anos 50, isso já não é problema meu. Digo categoricamente que o meu som estava totalmente condizente com a minha fonte de inspiração. E “fim de papo”...
            Mas, na época, eu não tive as referidas percepções (de gravar do jeito que eu gosto e “dane-se” os outros), o que, a princípio, foi algo bom, pois, a partir das duras críticas, eu resolvi me especializar no assunto e investir em equipamentos mais profissionais (como eu já planejava). E consegui obter uma qualidade de som muito superior, além de vários conhecimentos a respeito de acústica, gravação e tratamento de som. Deixei de lado as gravações tipo “anos 50” e “maneirei no reverb”, o que foi legal para produzir um som estilo “punk anos 70”. Mas, por incrível que pareça, as críticas (as mesmas críticas que atingiram a minha primeira fase de produção) continuaram ainda mais cruéis. Comecei a pensar que poderia ser inveja do pessoal, já que eu era a única pessoa (quem sabe, de toda a Unesp) a realizar aquele tipo de trabalho (de gravar apenas instrumentos reais). Mas, no final das contas, observei que era uma questão de pedantismo mesmo, pois as pessoas que conheciam (e amavam a música como eu) eram as que mais me elogiavam e faziam críticas construtivas (que muito me ajudaram a melhorar a qualidade das minhas músicas).
            Comecei a trabalhar, a partir de então, para agradar a mim mesmo e as pessoas que realmente gostavam de música, gravando tudo do jeito que eu achava mais convincente. No entanto, foi nessa altura que eu pensei "...acho que não curto Design tanto assim...". Sempre cito o seguinte pensamento: quando você começa a faculdade e já se estabelece como um “designer poderoso”, tudo o que você fizer agradará as pessoas (a capacidade de “transformar qualquer coisa em ouro”, não importa o que você faça, por pior que seja). Não foi o meu caso, pois eu entrei na universidade para aprender: se eu já soubesse de tudo, qual seria o sentido de estudar? O inconveniente é que você nunca tem uma chance de provar que você aprendeu e, quando um trabalho de sua parte fica bom, pensam “foi um golpe de sorte”. É claro que não posso generalizar e dizer que as coisas sempre acontecem dessa exata maneira, mas é fato que muitos trabalhos bons, no decorrer do curso, foram menosprezados pelo fato dos mesmos não terem sido realizados por um “bom designer” e sim por “alunos de design”. Minhas canções próprias (e boas, onde se escuta perfeitamente o contrabaixo, a guitarra, o vocal, a bateria, enfim, todos os arranjos e instrumentos) se encaixam neste perfil.
            Para terminar, quanto à história do “eco” (na verdade, do reverb), há pouco tempo atrás tive o privilégio de escutar o primeiro disco da banda “Jesus and Mary Chain”, de 1985, intitulado “Psychocandy” e, percebendo o exagero na utilização do reverb (e também na distorção), pude concluir que eu não estava tão errado assim em relação à gravação de minhas canções: o disco é uma obra prima (sujo e ao mesmo tempo melódico), justamente por causa do referido exagero no uso do reverb.