Livro: "A
Era do ‘Make in Touch' – Os anos Unesp sem censura"
Capítulo 20 – Provando
do próprio veneno...
Uma das melhores coisas do mundo é
dar risada, e estar em um lugar onde as pessoas são divertidas e bem humoradas
nos dá aquela sensação de “parada no tempo”: os problemas simplesmente “somem”
de nossa mente e pensamos somente no motivo pelo qual nossas gargalhadas
“vazam” de nossos lábios. Que bom seria se tudo fosse sempre dessa maneira! É
verdade que existe a possibilidade de se lembrar de coisas engraçadas a todo
momento, de modo que o sentimento de alegria permanece inalterado, como se
estivéssemos vivenciando a “piada” pela primeira vez... A minha classe de Programação Visual
(juntamente com a outra, de Projeto de Produto) nos rendeu muitos momentos de
alegria, diversão e gargalhadas (seguindo mais ou menos o sentimento que
relatei até aqui).
Mas tudo tem limite...
É claro que muitos não concordarão (pelo
fato de serem muito jovens para entender), mas eu tenho certeza de que, quando
chegarem à “Idade da Razão” (na qual eu me enquadro no momento), irão admitir
que muitas das “trapalhadas” e “bagunças”, durante as aulas, eram extremamente
exageradas. Não estou querendo defender a minha classe, mas devo admitir que os
amigos de Projeto de Produto, na maioria das vezes, eram os que mais passavam
dos limites no que se refere às brincadeiras (apesar da minha classe de
Programação Visual não estar isenta da “palmatória” em relação à referida
atitude). “Pô, mas primeiro você diz que ser divertido é bacana, depois diz que
as diversões eram muitas vezes exageradas... Em que sentido? Não dá para
explicar melhor?” Sim, explicarei com mais detalhes.
Realmente, eu concordo que a classe
deva estar sempre feliz, fazendo piadas e “coisa e tal”, contanto que a
referida atitude não atrapalhe a explicação do professor (muitas vezes deixando
o mesmo constrangido) ou que prejudique a apresentação de um seminário ministrado
por algum colega de classe. Devo admitir que, muitas vezes, as brincadeiras
durante os seminários me ajudavam a reduzir a ansiedade (era tipo um “quebrando
o gelo”). Outras vezes, porém, a atitude dos colegas em satirizar uma pequena
“gaguejada de nervoso” ou uma palavra estrangeira “mal pronunciada” me causava
calafrios durante as apresentações. Até o momento em que resolvi usar isso ao
meu favor... Uma pequena “vingança benigna”, que não prejudicaria ninguém e,
quem sabe, faria com que as “brincadeiras exageradas” tivessem o seu fim (mera
ilusão, descobri tempos depois).
“Olhar com estranheza aquilo que é
natural, olhar com naturalidade aquilo que é estranho”: foi o tema do trabalho
final de Antropologia (ou mais ou menos isso; escrevi com minhas próprias
palavras o tema proposto pelo professor). Um dos melhores trabalhos foi, sem
sombra de dúvida, o apresentado pelo grupo de Abraham: fizeram uma visita a um
albergue e entrevistaram os seus “moradores”. Posteriormente, os referidos
“moradores” cantaram o Hino Nacional. Toda a visita foi registrada em vídeo e,
particularmente, foi um dos trabalhos mais geniais e tocantes que presenciei
nos meus anos de Unesp, um trabalho que realmente nunca sairá da minha memória.
Quanto ao meu grupo (eu, Marky e
John), de início tivemos algumas dúvidas em relação ao nosso trabalho: o que
poderíamos apresentar de interessante, que respeitasse o tema proposto? A
inspiração veio ao acaso: eu havia acabado de adquirir o filme “O homem elefante”,
que conta a história das aventuras (e desventuras) do pobre Joseph Merrick, ser
humano que sofria de uma rara doença, a qual deformou parte de seu corpo.
Impressionado com toda a trama, resolvi pesquisar na Internet a história do
Merrick verdadeiro e acabei descobrindo um site que mostrava outras
enfermidades da mesma natureza (às vezes muito piores). No entanto, o site não
era de “mau gosto” ou desrespeitoso. Pelo contrário, o mesmo mostrava as
pessoas felizes, motivadas, trabalhando (apesar das graves deficiências físicas
que as mesmas possuíam). Enfim, o que para nós era algo estranho (no caso, as
deficiências), para essas pessoas era algo natural, ou seja, as mesmas
aprenderam a conviver com as suas limitações, sem perder a alegria de viver. Mostrei para
Marky e John a ideia e os dois concordaram que a mesma tinha muita relação com
o tema do trabalho de Antropologia proposto. Assim, resolvemos fazer um vídeo
mostrando as fotos das pessoas deficientes (imagens organizadas por John) e uma
“mixagem” com algumas músicas legais (“mixagem” produzida por Marky e eu). Além
disso, resolvi introduzir a minha pequena “vingança benigna”, no intuito de
“minar” as brincadeiras fora de hora, que tanto prejudicavam os seminários. Qual
foi o procedimento? Imaginei, de antemão, qual seria a reação (satírica) dos
“telespectadores” em relação às imagens apresentadas e, posteriormente, no
próprio vídeo, organizei algumas frases que, por sua vez, iriam satirizar a
reação sarcástica do público que assistia à “película”. Por exemplo: tinha uma
gravura que apresentava uma pessoa com vários “pênis”: gravura que, com
certeza, iria gerar várias gargalhadas e até algumas “piadinhas” (a reação).
Logo após a projeção da referida gravura (e das “piadinhas”), o vídeo apresentava
a legenda “Você ri? Só ri da cicatriz quem nunca foi ferido”. Dessa forma,
durante todo o vídeo, as reações sarcásticas eram “minadas”, logo em seguida,
pelas próprias frases sarcásticas, uma espécie de “provando do próprio veneno”.
Infelizmente, durante a apresentação, houve uma falha no computador e as
legendas não apareceram. Affff! Ainda assim, meu amigo David disse que achou
legal a apresentação, que as músicas e o conteúdo das imagens, conceitualmente,
fizeram todo o sentido (apesar do vídeo ser bem rudimentar). No entanto, devo
admitir que as frases, em forma de legenda, eram o ponto alto de todo o
trabalho e, ao ficarem de fora, por motivos técnicos, muito prejudicaram o
conceito original do projeto. Uma pena! Pretendo encontrar esse vídeo (eu ainda
tenho guardado em algum CD), para verificar o conteúdo do trabalho e “matar” a
saudade. Não supera, de forma alguma, o trabalho do Albergue (apresentado por
Abraham e seu grupo), mas foi um dos meus trabalhos favoritos.
Quando comecei a trabalhar no
presente livro, eu tinha em mente escrever algo mais “despojado” e divertido.
No entanto, devo admitir que os últimos capítulos (incluindo este) se
apresentaram de maneira muito “técnica” ou “filosófica”, fugindo do meu intuito
original (exatamente como a ausência das legendas do nosso trabalho, fato que
expliquei anteriormente). Pretendo retomar o conceito inicial nos próximos
capítulos, podem ficar tranqüilos, amigos leitores! Mas vocês devem admitir que,
ainda assim, é divertido e curioso um livro que critica o seu o próprio
conteúdo (o que acabei de fazer neste último parágrafo). Além disso, tem o meu exagero em repetir sempre o termo "devo admitir", várias vezes, durante a narrativa... É, até que não estou
fugindo muito do conceito original não...