quinta-feira, 24 de março de 2011

Capítulo 3 - O Fogo - Diários de Billy Winston




Trilha Sonora sugerida para o presente capítulo (Cap. 3 – O Fogo):

Flaming (Pink Floyd):

http://www.youtube.com/watch?v=GCjbILaXogc

CAPÍTULO 3 – O FOGO

Escrito entre: 19 de setembro de 2010 e 24 de setembro de 2010
Período: 18 de setembro


            A Bíblia é, para mim, um dos livros mais interessantes e inspiradores, fato que não engloba fanatismos, preconceitos ou que enfraqueça meu senso crítico. Por exemplo, imagine a possibilidade de ler a Bíblia ao som do Black Sabbath, ao mesmo tempo que se estabelece uma relação entre o conteúdo dos seus livros sagrados e a doutrina de Allan Kardec. Antes de qualquer contestação, só para relembrar: “não existe árvore boa que dê frutos ruins, nem árvore ruim que dê frutos bons”. Ou seja, não existe nada de ilícito no Livro dos Espíritos, assim como não existe nada de satânico nas músicas do Black Sabbath (apenas temas de terror inseridos em letras de rock n´ roll, coisa que qualquer pesquisador sério conhece muito bem). E, mesmo se existisse algo de satânico, o problema seria todo da banda e não meu, já que eu não estaria, de forma alguma, seguindo as suas ideias macabras: pelo contrário, estaria apenas apreciando a sua música, na maior inocência, sem me deixar influenciar pelo mal. Mas não existem pessoas que se matam ou praticam o pecado, influenciadas pelo rock? Com certeza! No entanto, nem todas as pessoas tem cabeça fraca (e eu me incluo entre elas). Certa vez, um tio me disse: “Quem anda com Deus não tem medo do diabo”.
            A Bíblia, também, é muito reconfortante em certas situações, ou seja, é um consolo para os nossos momentos de tristeza e decepção. No entanto, confesso que um dos livros, presente em seu acervo, me deixa triste e desolado: o Apocalipse. Não que seja um livro ruim (muito pelo contrário, é um dos meus preferidos), o fato é que o seu conteúdo é pesado e assustador (muito mais assustador do que qualquer música do Black Sabbath, pode acreditar). Por outro lado, esse mal estar que o livro me proporciona é benigno, visto que reforça aquela ideia de sempre procurar fazer o bem (de todo o coração, sem falsidades) para merecer, no dia do juízo, a compaixão de Deus e não a sua ira (reservada aos pecadores). Também fortalece aquela ideia de que essa vida não é a definitiva, verdade tão óbvia que, no entanto, acabamos nos esquecendo (mesmo a morte provando tudo isso).
            Apocalipse significa revelação, ou seja, nos revela o destino da humanidade. Tal livro, escrito pelo apóstolo João, contém uma narrativa repleta de tragédias (muitas delas envolvendo causas naturais, como elementos do céu, terra e ar, por exemplo). Mesmo o livro tratando de tragédias mais abrangentes e universais, confesso que (pensando por um lado mais pessoal) considero algumas fases da minha vida inseridas em um “completo Apocalipse”: brigas familiares, desilusões amorosas, injustiças... No entanto, não posso deixar de admitir que a minha sensação, depois que a “fase de Apocalipse” passa, é uma das mais felizes e confortáveis.
            Na tarde de sábado, depois de uma semana repleta de altos e baixos (problemas com o carro), recebi um telefonema da minha prima Shirley, me dizendo que minha outra prima (Clare) havia chegado em Bauru, trazendo seu filho recém-nascido, que ainda não conhecíamos. Concordamos em visitar Clare e o pequeno Johnny, na casa de sua mãe (nossa tia mais velha) e, também, aproveitar para rever os parentes que não víamos há algum tempo. Depois de alguns minutos e de mais uma pequena discussão com Lucia (tentando, inutilmente, explicar que a mágoa só é ruim para quem guarda a mesma consigo), ouvi Shirley me chamando no portão de casa. Entramos no meu carro e partimos. No caminho, apanhamos minha tia Nancy (que também queria conhecer o pequeno Johnny e rever a família) e seguimos para o nosso destino, chegando até ele em poucos minutos. Apesar das tradicionais explanações ao meu respeito, só para me deixar triste (do tipo “o inocente que não conhece a vida e não tem noção do que está fazendo”), foi uma reunião divertida, que me fez relembrar os velhos tempos. E o pequeno Johnny, realmente, é uma criança adorável, e acabou compensando todos os inevitáveis contratempos. Na hora de partir, outra prima (Mila) nos acompanhou, juntamente com as suas lindas filhas (Line, de 6 anos e Luly, de 4 anos). Deixei Shirley em sua casa e levei tia Nancy, Mila e suas duas crianças em casa, para rever Lucia. Naquela noite, conforme eu havia marcado em minha agenda para não esquecer, se realizaria a festa (Chá Bar) dos meus amigos Carl e Bibi, que se casariam em breve. Dessa forma, tomei meu banho, me troquei e separei os presentes que eu levaria para a festa (entre eles, um retrato do casal, feito com a técnica do pontilhismo). Em seguida, depois de ficar brincando com a minha gatinha Melody, juntamente com Line e Luly, peguei o carro e parti para o meu destino. Aproveitei para deixar Mila e suas meninas na casa de sua mãe e, depois, minha tia Nancy em sua casa. Finalmente, segui para o “Chá Bar”, não imaginando que, naquela noite, teria uma pequena amostra do meu “Apocalipse pessoal”, percepção que comentei anteriormente.
            No meio do caminho, me lembrei que precisaria levar um refrigerante para a festa, então aproveitei para comprá-lo naquele tradicional mercado da Vila Falcão. Estava achando o céu terrivelmente sombrio, não tanto pelo seu aspecto, mas sim pelas preocupações referentes à doença de Lucia. A impressão que tenho, às vezes, é que os elementos naturais se tornam bonitos ou feios segundo o nosso estado de espírito. Depois de comprar o refrigerante, enquanto estava no estacionamento do mercado, me veio à mente, do nada, aquele velho pensamento referente à nossa vida no Planeta Terra: o fato da mesma não ser a definitiva, conforme já citei. Logo em seguida, me veio outro pensamento, complementando o anterior: “Se essa não é a vida definitiva, porque se importar tanto com as coisas? Onde está a sua paciência?”. Não era um pensamento “inédito”: apenas havia me esquecido dele e estava recordando do mesmo, naquele exato momento. Paciência! Que tal, então, fazer um teste de paciência? Eu sabia que teria de aturar, como em toda festa que se preze, desagradáveis satisfações ao meu respeito: cabelo, aparência (peso e altura), “encalhações” e outros elementos não duráveis. Mesmo me sentindo ofendido com essas satisfações (tendo consciência de que muitas pessoas não tinham a intenção de me ofender), foram poucas as vezes que eu devolvi o “insulto”, na mesma medida, para o “agressor”. O grande problema é ficar me remoendo depois (por dias e até meses) por causa dessas horríveis considerações ao meu respeito. Então tomei uma decisão: durante o desenrolar da festa, além de não revidar, não ficaria me remoendo, posteriormente, com as críticas feitas ao meu aspecto físico. A minha mente sempre compreendeu que as mágoas, referentes às críticas que recebemos (no meu caso, a aparência física) são pura obra do orgulho. Mesmo assim, sempre me enfurecia quando era “ofendido”, ou seja, entendia muito bem a “teoria da mágoa”, mas não praticava. Eu mesmo não havia falado para Lucia, anteriormente, que guardar mágoa não é bom? Que hipocrisia é essa? E, caso alguém me julgue pela aparência, o erro é da própria pessoa e não meu, certo? Será que todas essas futilidades, a respeito do meu físico, seriam mais importantes que a cura de Lucia?
            Por fim, com todas essas ideias povoando a minha mente, misturadas às imaginações referentes à animada festa, parti para o meu destino. Sabia que alguma coisa de diferente aconteceria, naquela noite. No entanto, quando parei em frente à casa da família de Bibi, foi como se eu tivesse acordado de um sonho ou, talvez, morrido e acordasse em outra vida. As imaginações as quais me referi (por exemplo, muitos carros parados na porta, muitas pessoas entrando e saindo da casa, risadas, pessoas queridas vindo me receber) foram substituídas pelo silêncio e pelo aspecto desértico que tomava conta da rua. Achei até que havia chegado cedo demais e olhei para o relógio, constatando que eu estava até um pouco atrasado. Com certeza, havia me enganado a respeito da data da festa ou a mesma havia sido cancelada. Mesmo assim, resolvi conferir e apertei a campainha. Carl, em seguida, veio me receber e acabei me adiantando: “Puxa vida, acho que marquei errado, na minha agenda, o dia da festa, não é mesmo?”. Carl achou graça e me disse que, realmente, a festa seria no sábado seguinte.  Mas me chamou para entrar, e eu aproveitei para entregar para ele e para Bibi os presentes. Para não perder a noite, combinamos de nos dirigir até minha casa para “escanear” algumas fotos antigas, que seriam utilizadas para o casamento. Bibi ou Carl (agora não me lembro) ligaram para Cyrinda, para que a mesma se juntasse a nós.
            Novamente, a mesma estranha sensação: como se eu tivesse acordado de um sonho ou, até mesmo, morrido e acordado em outra vida. Escutamos os gritos da avó de Bibi (que morava na casa da frente) e em seguida da própria Bibi. Quando eu e Carl saímos para constatar o que acontecia, a primeira impressão que tive foi a de que o céu estava vermelho, pegando fogo. E o primeiro pensamento foi “finalmente, chegou o dia do Apocalipse”, me lembrando da passagem que fala dos sete anjos, cada um deles com uma taça contendo o furor de Deus: “O quarto anjo despejou sua taça no sol. E o sol recebeu permissão de queimar os homens com fogo”. Mas eu estava enganado: o que deu essa impressão foram as altas labaredas que estavam atingindo a casa, provenientes do terreno vizinho.
            Enquanto Bibi ligava para os Bombeiros, Carl me pediu para desenrolar uma mangueira que estava conectada à torneira, no fundo do quintal. Em seguida, conseguiu subir no telhado com ela. Liguei a torneira e Carl começou, aos poucos, apagar as chamas que se alastravam rapidamente, por causa do forte vento que soprava. Pensei em utilizar uma outra mangueira que existia por ali e, antes mesmo de colocar em prática o procedimento, a avó de Bibi já havia pensado na possibilidade, entrando em ação logo em seguida. Infelizmente, constatamos que de nada adiantaria nossa boa vontade: ligando uma torneira a mais, o resultado seria uma diminuição do fluxo de água na mangueira que Carl estava utilizando. Então restou, apenas ao meu amigo, a árdua tarefa de conter as chamas.
            Cyrinda havia chegado naquela altura, enquanto um grande mal-estar nos dominava. Meus olhos ardiam, meu nariz escorria: era uma sensação de “inferno na Terra”, enaltecida com a estranha mistura do conjunto fogo-fumaça-cinzas, mergulhadas às trevas daquela noite sombria. Num certo momento, uma espécie de labareda com fogo, por pouco, não atingiu meu rosto, já que Carl conseguiu me avisar a tempo. Se eu já estava passando mal no solo, imaginei a situação dele, que estava no telhado, tão próximo das chamas. A única coisa que pude fazer foi lançar, para ele, o meu gorro da “Copa de 94”, para que ele colocasse o mesmo no rosto e se protegesse. E Carl continuava naquele combate incessante contra o fogo, ao mesmo tempo que xingava, com raiva e em alto tom de voz, os autores daquele crime. Ou seja, meu amigo Carl me provou uma ideia que eu já tinha comentado, certa vez, com meu amigo Dezones: “É preferível ter raiva, ao invés de permanecer depressivo”. A raiva, em muitos casos, é um sentimento benigno, visto que nos dá coragem para agir (ao contrário da depressão, que nos deixa com medo e impotentes). Carl “tirou de letra” esse pensamento e, quando os bombeiros chegaram, boa parte do fogo já havia sido combatido. Os bombeiros, então, terminaram de fazer o serviço que restava.
            Quando todo o drama terminou, me lembro de várias pessoas em frente à casa da família de Bibi. Foi engraçado porque, num certo momento, estávamos comentando que o fogo chegou a atingir a caixa-d'água, e o bombeiro disse para Bibi: “Fia, quando você ligar pra gente, nunca fale que está pegando fogo na caixa-d'água, pois a gente vai achar que é trote”. Depois do susto, quando todo o pessoal foi embora, resolvemos deixar para “escanear” as fotos do casamento outro dia: pediríamos uma pizza e assistiríamos um filme, por lá mesmo. Antes, fui tomar um banho e Carl me emprestou uma calça e uma camisa dele (pois a minha estava cheirando fumaça).
            E uma sensação muito boa invadiu o meu ser, aquela sensação maravilhosa depois de todo o “Apocalipse”. Depois de viver momentos de tensão e de passar mal com a fumaça, posso dizer que aquele momento posterior (junto aos meus amigos, assistindo ao filme e comendo pizza), me passou uma sensação de conforto que poucas vezes senti em minha vida. Não sei nem como explicar... Imaginei, então, o momento posterior ao da destruição relatada nas profecias do Apocalipse da Bíblia, quando o reino de Deus finalmente será instaurado. Se o nosso “Apocalipse” daquela noite (incêndio) me trouxe uma agradável sensação após todo o acontecido, imagine a sensação posterior ao “Apocalipse divino”.
            Situações engraçadas sempre são importantes para quebrar um pouco a tensão referente aos acontecimentos trágicos (tipo a caixa-d'água pegando fogo, por exemplo). E no final da noite, fomos brindados com mais uma: o fogo acabou voltando (em menor intensidade, proveniente das poucas brasas que haviam restado), atingindo, dessa vez, a cerca do vizinho. Carl correu para avisá-lo: “Vizinho, Fogo!”. E o referido vizinho saiu cambaleando de dentro de sua morada, perguntando algo do tipo: “Como você sabe que eu estou de fogo?”.
            Bom, comecei a escrever essas lembranças no Domingo (dia seguinte à noite do incêndio) e, por falta de tempo, só consegui concluí-las agora, nessa Sexta-feira nublada. Dessa forma, amanhã (Sábado) é o dia oficial do “Chá Bar”, onde terei, enfim, a oportunidade de testar a minha paciência, procedimento que já expliquei anteriormente. Deus deve estar muito contente comigo (e não estou disposto a desapontá-lo com a minha impaciência), pois me concedeu uma graça: Lucia acaba de ir ao médico se tratar (em companhia de minha tia Nancy). Parece um fato corriqueiro, mas para quem não queria aceitar nenhuma forma de tratamento ou médico, a sua ida ao consultório é, com certeza, uma grande vitória (mesmo não sendo, talvez, um consultório de psiquiatria). Por ora, não sei mais o que escrever, visto que todo o material, pertencente ao próximo capítulo, será revelado apenas amanhã, até o momento do esperado “Chá bar”.
           

5 comentários:

  1. Pois bom Chá Bar! Aguardando ansiosamente os próximos capítulos!

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  2. Vanna, obrigado mais uma vez pelo carinho! Os próximos capítulos reservam fortes emoções! Grande abraço!

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  3. Essa é, das minhas memórias recentes, talvez a q mais me agrade. Por mais q tenhamos passados momentos sombrios e assustadores, o desfecho foi fantástico... aliás, como sempre é quando estamos todos juntos.

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Felipe, muito obrigado pelo seu comentário. Também gosto muito do presente Capítulo, que fala do "Apocalipse Pessoal"... É um dos meus preferidos! E obrigado pela sugestão, ainda não li o livro de Jó, mas farei a leitura, pois fiquei bastante curioso a partir do que você comentou a respeito dele. Grande abraço amigo...

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