Livro: "A Era
do ‘Make in Touch' – Os anos Unesp sem censura"
Capítulo 28 – O
colhedor de algodão
Por uns tempos, antes mesmo da
formatura, eu senti na pele que o mercado de trabalho em Bauru estava muito
concorrido, com poucas vagas. Inúmeros processos seletivos acabei fazendo, mas
a concorrência era enorme (inclusive, boa parte dos concorrentes eram colegas
meus de faculdade). Não consegui nenhuma vaga nos referidos processos e, por
causa disso, decidi manter as aulas particulares de informática, as quais
comecei a ministrar na própria Unesp em tempos anteriores.
Apesar de conseguir vários alunos e
ganhar dinheiro suficiente para me manter, o período das aulas particulares foi
um tempo de muito sacrifício, de muita economia, de inúmeras caminhadas debaixo
do sol (para economizar gasolina do carro). Por outro lado, foi uma época em
que adquiri muito conhecimento da própria vida e também pude aprender várias
coisas com meus alunos (pessoas maravilhosas, diga-se de passagem). Além disso,
nessa época, pude voltar a estudar desenho de observação na escola recém
fundada pelo meu amigo John e fazer alguns trabalhos “freelance” como designer
recém formado.
O problema mais sério em trabalhar
por conta própria é que, muitas vezes, não ocorre aquela constância em se
manter a clientela (ou os alunos, no meu caso). As vezes, passamos algumas
semanas com uma quantidade enorme de serviços e outras semanas, pelo contrário,
onde não se tem nada para fazer. Assim, decidi que precisava arranjar um
emprego fixo, assalariado, de preferência que o trabalho fosse realizado em
meio período (dessa forma, não precisaria abandonar as aulas de informática).
Lembrei-me de uma passagem do livro
de Jack Kerouac, o “On the Road”, onde o próprio Jack, para conseguir ganhar
dinheiro para continuar suas viagens, aceitou um emprego de colhedor de algodão
(trabalho que o mesmo jamais havia realizado). Kerouac ainda não era famoso,
mas já era um escritor (inclusive, já havia publicado o livro “Cidade pequena,
cidade grande”). Decidi partir pelo
mesmo princípio: poderia tranquilamente aceitar um emprego em outra área que
não fosse Design. Afinal, já havia passado por tantas ocupações (como mencionei
no capítulo anterior) que o senso de adaptação já estava totalmente impregnado
em mim. Recordei, também, da época em que trabalhei como estoquista de
autopeças, ocupação a qual eu não tinha nenhuma experiência e que pude, com o
tempo, aprender a desenvolver a mesma com maestria.
Não me tornei exatamente um
“colhedor de algodão”, mas concluí que um trabalho como “operador de cobrança”
seria um bom desafio e uma ótima maneira de aprender a negociar. Afinal, eu não
tinha experiência nenhuma em negociar com meus clientes (e também com meus
alunos). Assim, a ideia foi trabalhar no período da tarde na assessoria de
cobrança e, de manhã, continuar a ministrar as minhas aulas de informática.
Assim, deixei meu currículo na assessoria MC e, pouco tempo depois, fui chamado
para a entrevista.
A entrevista foi marcada no período
da manhã, em uma sala enorme, repleta de candidatos (uma quantidade muito maior
de candidatos que os processos seletivos de Design). Fiquei um pouco inseguro,
pois sabia que, provavelmente, pelo menos metade do pessoal que estava na sala
seria reprovado. Fiz a entrevista com a psicóloga e ela me disse que, caso eu
não recebesse nenhuma ligação até o dia seguinte, era porque eu não havia
“passado” na entrevista. No dia seguinte, felizmente, acabaram me ligando.
Pensei que a minha vaga estava
garantida, mas não foi exatamente o que aconteceu. Antes do ingresso a qualquer
emprego, é necessário alguns exames médicos preliminares. E acabei não passando
na audiometria, o teste de audição. Os meus estudos com som e produção de
músicas da época da faculdade, os quais me dediquei com afinco, comprometeram
minha audição. A minha paixão por “sound design” se tornou motivo da minha
derrota. A fonoaudióloga disse que nem tudo estava perdido, visto que eu
poderia fazer ainda uma limpeza de ouvido com um médico particular. Assim
procedi e nenhuma espécie de sujeira, no meu ouvido, foi detectada pelo médico.
O mesmo indicou que o próximo passo seria fazer uma nova audiometria
(particular) e, para a minha felicidade, dessa vez eu “passei” na mesma. Em seu laudo, o médico deixou claro que
realmente eu tinha uma perda auditiva, mas que era tão pequena que não
atrapalharia o meu trabalho como “operador de cobrança”. Não passei na primeira
audiometria, provavelmente, pelo fato de estar nervoso ou por algum problema de
saúde (rinite ou sinusite). Levei os exames realizados para a Assessoria e fui
chamado, dias depois, para fazer o treinamento. Estava muito feliz por poder
voltar a trabalhar, mas um pouco triste pelo fato de não ter mais coragem de mexer
com produção de músicas, com medo de prejudicar mais a minha audição.
Antes de começar a trabalhar, participei
de um treinamento de duas semanas, onde tive oportunidade de conhecer várias
pessoas maravilhosas como, por exemplo, o Sam (que praticamente possui os
mesmos gostos musicais que eu, além de gostar de literatura também). Depois do
período de treinamento, finalmente fui para a operação de cobrança, onde estou
até os dias de hoje.
Comecei a escrever o presente livro
em meados de junho de 2011, sem imaginar o que escreveria no último capítulo
(finalizado em novembro de 2014). Seria interessante se cada personagem que
participou da história pudesse também escrever o seu próprio livro, a partir do
seu próprio ponto de vista. Tenho certeza que iria render relatos muito
interessantes. Quanto a mim, fico por aqui, feliz de ter terminado o livro dos
anos Unesp e sonhando com o dia em que, de alguma maneira mágica, esses bons
tempos possam voltar.
FIM
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