Livro: Triste ao sonhar com os anjos
Prólogo
Atualmente, eu me sento defronte à
uma janela, onde pude observar, com o passar das horas, algo muito
interessante: existe uma árvore atrás da referida janela e esta última, como
possui duas divisões, divide o vegetal em três partes. Nada demais, à primeira
vista. Porém, em uma observação mais atenta, pude perceber algo perturbador: na
divisão do meio, o vidro da janela se encontra sempre molhado (por alguma razão
que eu desconheço). A divisão do meio, por esta razão, me lembra uma pintura impressionista.
Nos primeiros dias referentes à esta
minha curiosa “descoberta”, pensei como seria agradável poder ficar olhando
aquela janela por horas a fio. Porém, passado certo tempo, aquela mesma visão
da janela que eu adorava começou a me entediar. Também pudera, era sempre a
mesma visão, sempre a mesma coisa, todos os dias. Percebi, então, que havia uma
outra janela ao lado da minha “janela impressionista”, a qual havia sido aberta,
pela primeira vez, naquele mesmo dia. Esta última mostrava o telhado da minha
antiga escola, mergulhado em um céu de cor azul.
“O caso das janelas”, o qual me
referi, funciona exatamente como a adolescência: até mesmo o que é legal pode
nos entediar, mas sempre existe uma “outra janela” para ser aberta, onde
podemos encontrar coisas novas e interessantes.
Capítulo 1 – O incompatível
Não era porque eu não queria me
comunicar com ninguém: na verdade, eu não tinha realmente nada a dizer. Toda
minha infância e parte da adolescência foi marcada por desenhos animados
antigos, computadores dos anos 80 e rock dos anos 60. O meu silêncio dentro da
minha sala de aula do colegial era decorrente da incompatibilidade entre os
meus gostos pessoais e o gosto dos meus colegas. O grande lance da época (por
volta de 1993) era sair aos fins de semana para se encontrar na boate Camaro ou
numa lanchonete chamada Baby Batatas. Aquilo não fazia o menor sentido para
mim, então por que eu deveria comparecer a estes locais contra a minha vontade?
Até mesmo Vicky, a menina por quem eu era apaixonado, gostava dessas saídas de
fim de semana. Na época ela já era bonita e, até então, era a única garota de
quem eu realmente gostava.
Apesar da incompatibilidade, eu não
tinha raiva dos meus colegas de classe. Até gostava um pouco deles. Eles tinham
uma mania muito curiosa de “remendar” o que o professor dizia, criando frases
espirituosas com duplo sentido (hoje reconheço que era uma coisa muito idiota,
mas na época eu achava o máximo). Por exemplo, se o professor dizia “centeio é
bom para a saúde”, alguém dizia que “a vida é tão difícil que a gente fica
‘centeio’ o que fazer”. Ou “a Cíntia está muito bonita hoje” gerava a frase “se
eu não usar ‘Cíntia’ minha calça pode cair”.
Era realmente cômico, mas não o
suficiente para que me sentisse feliz comigo mesmo. Seria muito mais fácil se
eu pudesse gostar do que todo mundo gostava, de ir aos lugares aonde todo mundo
ia, enfim, de fazer o que todo mundo fazia, sem questionamentos, ou melhor, sem
o uso da razão. E tinha também o lance sentimental do “bom coração”. Sempre fui
meio “estourado”, sem paciência, mas nunca praticava a maldade. Algumas vezes
eu questionava o fato de “eu ter nascido eu mesmo”. Eu poderia ter nascido na
pele do meu colega de classe Kurt, por exemplo: piadista, um pouco rude com as
mulheres, um pouco maldoso com os homens, sem respeito pelos professores, sem
sentimentos... Se eu tivesse nascido na pele de Kurt, as coisas seriam bem mais
fáceis para mim, com certeza. Viver no caminho da bondade é muito penoso, pois
parece que qualquer atitude (por mais insignificante que seja) está sujeita a
nos levar a cair no abismo do remorso. Tudo é motivo para o remorso! Um
exemplo: certa vez, ao entrar na escola, tinha uma garota que eu conhecia
sentada na escada, conversando com outra menina. O assunto deveria ser de muito
interesse para as duas, visto que as mesmas conversavam e debatiam sem a menor
distração. Fiquei na dúvida: eu cumprimentaria a minha colega (interrompendo a
conversa) ou não cumprimentaria (no intuito de não atrapalhar o diálogo das
garotas)? Optei pela segunda opção e, ao passar pelas duas meninas, mantendo o
meu silêncio, escutei claramente minha colega dizendo para a outra: “Que
grosso, passou e nem cumprimentou!”. Assim, como várias vezes me aconteceu, fiquei
com remorso por ter tomado a atitude errada.
Eu morava em um local apelidado de
Grass Valley e minha casa ficava em um esquina (na verdade, ainda fica, pois no
momento em que escrevo estas linhas eu ainda moro no referido local). Era um
ponto de encontro perfeito para a reunião dos amigos, mas as coisas não andavam
tão diferentes se comparadas ao meu ambiente escolar. A única diferença é que,
ao invés de meus amigos se divertirem na danceteria Camaro ou na lanchonete
Baby Batatas, os mesmos se dirigiam para as famosas “brincadeiras dançantes”,
muito populares em meu bairro (as referidas festinhas eram apelidadas de
“Brincote”). Roy, August e outros amigos, que tinham a mesma idade que eu,
adoravam as “Brincotes”, mas nunca me chamavam para participar de uma. Eu
ficava um pouco chateado por causa disso, mas apenas por uma questão de orgulho
próprio.
Enfim, a “atmosfera” da minha escola
e do meu bairro era bem parecida. Porém, neste último, para a minha sorte, comecei
a verificar novas possibilidades a serem exploradas, pois eu convivia com
pessoas interessantes, ou melhor, meus próprios amigos: Jim era um dos mais
novos, mas era muito inteligente e perspicaz, com as suas estórias em
quadrinhos, as suas charges e seu crescente interesse por rock; Adam Ball era
metódico e engraçado ao mesmo tempo, alguém em quem eu realmente podia confiar
os meus maiores segredos; Walter era meio que uma mistura dos dois últimos (era
apenas um pouco mais teimoso). E tinha Lang que era totalmente diferente de todos:
extrovertido, comediante, algumas vezes louco, inclassificável, atípico, enfim,
quase uma lenda viva. Com o passar do tempo, novas pessoas se juntaram à nossa
turma. Entre elas, estava Pam, a garota por quem eu me apaixonei (e que acabou
dividindo com Vicky uma parte do meu sentimento de paixão).
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