sábado, 29 de novembro de 2014

Capítulo 2 – Uma gangue de meninas - Livro: Triste ao sonhar com os anjos

Livro: Triste ao sonhar com os anjos

Capítulo 2 – Uma gangue de meninas


            Conheci Lang por volta de 1991, durante um jogo de bolinhas de gude (ou “búricas”, conforme o pessoal chamava as referidas esferas). Ele era um cara amistoso, porém, por algum motivo, se desentendeu com Paul durante o jogo. Alguns dias depois, quando eu conversava com Lang, o mesmo me pediu licença para se retirar, pois havia marcado uma briga com Paul naquele horário e não poderia se atrasar. Parecia coisa de filme.
            Conforme relatei anteriormente, Lang era um cara totalmente atípico para os padrões que eu conhecia até então. Tinha estatura média, cabelos castanhos e lisos (penteados para baixo, com uma franja), fala “arrastada” e “errante” (trocava as consoantes “b” por “p” e “d” por “t”), andar rápido e compenetrado, risada alta, senso de humor “doentio”, entre outras características. Pode até aparentar que Lang, pelo seu jeito de ser, fosse um cara repugnante. Mas a verdade é que justamente as suas características anormais o tornavam um cara interessante e querido por todos.
            Muitas pessoas pensavam, em um primeiro momento, que Lang era um cigano, visto que sua família morava em uma barraca montada em um terreno baldio, localizado próximo ao Grass Valley. Na verdade, a família de Lang passava por problemas financeiros e, sem dinheiro para pagar o aluguel, tiveram que optar por viver nessa morada não muito convencional. A barraca era grande, organizada, dividida em compartimentos, enfim, muito bem montada.
            Lembro que as primeiras garotas que conhecemos, em 1991 (mesma época em que conheci Lang) moravam no jardim Pagan. Mas apenas uma dessas garotas se destacou entre as demais.
            Tudo começou com uma enorme árvore que existia atrás da casa de Jim. Essa árvore possuía  galhos compridos e pontiagudos e, quando esses galhos secavam e caíam, utilizávamos os mesmos como espadas (sério, sem brincadeira). Organizávamos inúmeros combates entre nós, como se fossemos verdadeiros “espadachins”.
            Um dia o pessoal resolveu ir ao jardim Pagan, bairro vizinho do nosso, munidos de suas espadas. Eu não estava presente nesse dia, mas Adam Ball me contou tudo o que aconteceu. Nossa turma acabou encontrando, ao acaso, um grupo de, aproximadamente, cinco ou seis garotas que moravam por lá. E elas convidaram Adam Ball e a turma para brincarem com elas de esconde-esconde ou de alguma brincadeira similar, não me lembro ao certo. Tudo começou bem, com todos brincando e se divertindo numa boa. A idade das garotas era bem próxima à idade de Adam Ball, de Lang e de Sylvain (irmão mais novo de Adam Ball), que estavam presentes nessa ocasião, juntamente com outros membros da turma que agora não consigo recordar. Mas, enfim, a idade deles girava em torno de 14 e 15 anos de idade.
            Num certo momento, sem mais nem menos, as garotas começaram a xingar os meus amigos. É claro que, na idade em que eles estavam, não existiu aquela reação tipo: “Ei, o que está havendo, porque vocês estão nos xingando?” A decisão mais óbvia, por parte deles, foi a de pegar as espadas e atacar as garotas, sem rodeios. Começou aquela batalha, e os caras começaram a quebrar as suas espadas de galhos nas pernas das meninas. Durante a batalha, a suposta líder das garotas apareceu. Ela era uma garota alta, que aparentava ter uns 17 anos. Ela não se meteu na briga, mas começou a dar ordens às suas subordinadas, do tipo: “ataque aquele cara ali”, “acerte o seu rosto”, “direcione corretamente o seu soco”. Por fim, como a briga não acabava, nosso grupo resolveu finalmente abandonar o campo de batalha, correndo para Grass Valley, ouvindo os insultos das meninas ao longe. Elas achavam que a minha turma havia “arregado”, fato que fez com que elas ficassem radiantes de felicidade.
            Apesar do suposto “arrego” de nossa turma, todos estavam muito contentes com essa cena de ação ocorrida. Afinal, era algo cinematográfico estar enfrentando uma gangue de garotas que, ainda por cima, tinham uma poderosa líder no comando. Até eu fiquei entusiasmado com a história, quando Adam Ball me contou. Como nos filmes, pensamos que o óbvio seria derrotar as garotas integrantes da gangue e, no final, enfrentar a poderosa líder em um difícil combate, onde apenas um sairia vitorioso (!?). Nossas ideias eram realmente megalomaníacas e exageradas, mas o que esperar de um bando de garotos na flor da idade? Alguns dias mais tarde, acabamos organizando as nossas espadas e nos preparávamos para a revanche contra a gangue de garotas.
            A rodovia San Dimas, que fazia divisa entre o Grass Valley e o Jardim Pagan, estava interditada naquela época. Na verdade, o asfalto havia sido totalmente destruído e iriam refazê-lo novamente, só que agora duplicando a pista. Então aproveitávamos a situação para ficar brincando por lá. Numa dessas ocasiões, o nosso amigo Chad apontou o dedo para uma menina que estava ao longe e nos disse: “Lá está ela! É a líder das meninas!” Assim, fomos até uma distância em que a garota pudesse nos ouvir e a chamamos para um combate. Ela, então, se dirigiu à destruída rodovia San Dimas e se juntou a nós. Pela memória de meus amigos, não dava para ter certeza se ela era, realmente, a líder das meninas do Pagan. A misteriosa garota se apresentou a nós, dizendo que o seu nome era Sammy. Ela era uma garota realmente bonita, alta, de olhos verdes e cabelo liso escuro. De qualquer forma, como a “galera” ficava brincando de “lutinha” nos escombros da antiga rodovia, Sammy disse que sabia lutar judô e resolveu participar da brincadeira. Ela era bem corajosa e lutava quase de igual para igual com os meninos. Sammy mantinha as suas unhas crescidas e afiadas, usando-as para se defender e golpear, quando necessário.
            Como nossa turma se encontrava direto na rodovia, Sammy começou a passar as suas horas com a gente, numa de relação de amizade para com uns e ódio para com outros. Sylvain, inclusive, já estava perdidamente apaixonado por ela. Lang, por sua vez, ficava “zoando” e dizendo as maiores obscenidades para a garota. Freddy (meu irmão) e Adam Ball tinham uma relação de rivalidade com Sammy, por causa das lutas. Eu, no meu caso, era neutro: não a amava, mas também não a odiava.
            Aconteceu que, numa certa ocasião, onde estávamos brincando de lutar, Lang começou a provocar Sammy. E ela resolveu apelar: pegou um enorme “torrão de terra” e acertou o olho de Lang, ferindo-o gravemente. Adam Ball, que já mantinha uma relação de rivalidade para com a garota, não se conteve: veio correndo a toda velocidade e acertou uma “voadora” em Sammy, fazendo-a cair no chão. Ela, por fim, havia sido derrotada pela última vez. Foi a batalha final.
            Depois disso, paramos, finalmente, com essas brincadeiras violentas, já que alguém poderia se machucar seriamente. Sammy e Adam Ball tiveram mais algumas brigas depois disso, mas no geral ambos até que se davam bem. O único fato digno de nota, após o período das brincadeiras de luta, foi o fato de Sammy ter aprisionado Adam Ball, Lang, Sylvain, Jim e outros amigos no interior da sua casa. Felizmente, eu não estava presente nessa ocasião. Sammy havia convidado os garotos para entrar em sua casa. Quando eles entraram, ela trancou a porta e não deixou mais ninguém sair. Somente quando a tia de Sammy chegou, depois de horas, foi que ela resolveu liberar os garotos, que tiveram que sair escondidos da casa. Seria um “escândalo”, caso fossem vistos pela tal tia. Depois desse fato, os encontros com Sammy foram se tornando raros, até que ela desapareceu misteriosamente e nunca mais foi vista. Ela com certeza não era lá muito normal.
            Pelo que me lembro, foi a última história marcante que ocorreu nos nossos últimos tempos de infância. A adolescência já estava chegando com tudo, e os nossos problemas tomariam proporções muito maiores a partir de agora.

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