sábado, 6 de agosto de 2011

Capítulo 04 - Terror na Vinoma - Livro: "A Era do 'Make in Touch' - Os anos Unesp sem censura"

Capítulo 04 – Terror na Vinoma

  
    No restante da primeira semana de aula, poucos fatos marcantes ocorreram e, por causa disso, tenho apenas algumas “raras” lembranças do que aconteceu: a simpática Carolyn me pedindo alguns lápis emprestados (para desenhar uma mão segurando uma escova dental, a pedido do professor Mitsu); David na aula de História da Arte, sentado em uma posição estranha (o verdadeiro homem-borracha, que conseguia colocar seu corpo em posturas impossíveis), dizendo que não se importava com nada (ou algo parecido); o “veterano” Chapolin, medalha de ouro em “nado na janela” (!?); Nathan avisando aos “bixos” que não precisariam mais ficar fugindo, pois estavam (finalmente) “abolidos” os banhos de tinta; eu com dificuldade em distinguir um “bixo” de outro (pois todos estavam carecas)... Enfim, o que acabo de relatar ocorreu no período compreendido entre terça e quinta-feira. E tudo estava muito tranquilo, diga-se de passagem...
     Mas, na sexta-feira, as coisas iriam mudar...
         Depois da Aula de Desenho Geométrico, decidi comparecer, pela primeira vez, em uma festa de Desenho Industrial. As “vibrações” estavam boas, pois, na referida sexta-feira (na hora do almoço) fui comprar um Cd dos Rolling Stones, duplo, que as lojas Americanas fizeram o favor de taxá-lo (por descuido) com o preço de um Cd simples (“porra Billy, como você consegue descobrir essas coisas?”, lembro de John perguntando, quando lhe contei o fato). Tá, tudo bem, eu exagerei quanto ao lance das “boas vibrações”, por causa de um mero Cd dos Stones... Mas a verdade é que eu estava “mó animadão”, na verdade “mó animadaço” ou, melhor, “mó animadaçadão” em relação às expectativas (referentes à festa). Cheguei a me lembrar das festas que organizei entre 1994 e 1995, com a mulherada para ficar, com o rock n´ roll “rolando Stones” (quer dizer, “rolando solto”) e com as bebidas abundantes que faziam com que eu (junto com Adam Ball e Lang) ficássemos mal depois da festa: bêbados, vomitando “excrementos” pra todo lado (principalmente macarrão com cerveja), passando vexame e... Bem, tirando a parte das bebidas (e dos vexames; mas, pensando bem, seria erguida uma estátua na Unesp em minha homenagem, caso todos conhecessem o meu passado de “beberrão”), eu imaginava que aquela minha primeira festa de DI traria à tona, novamente, esses sentimentos referentes aos primeiros anos da minha adolescência. Não posso deixar de citar, também, a boa impressão a respeito dos “veteranos”, depois do evento com as fantasias. Então foi tipo “E aí moçada, quem vai na festa hoje?”. Bom, eu não me lembro como foi organizado o lance das caronas (e não me lembro quem foi comigo, no meu carro). Apenas me recordo das pessoas* que acabaram se encontrando em frente à República Vinoma, onde a festa aconteceria: eu, John, Marky, Naty, Magye (do curso de química) e um aluno de engenharia (que não me lembro o nome). E Taylor prometeu comparecer mais tarde.
* Nota do Autor aos leitores do blog: me desculpem se, porventura, acabei me esquecendo de mais alguém que compareceu à festa; no entanto, caso alguém tenha comparecido (ou saiba de alguém que compareceu) e não foi citado, me avise para que eu atualize a narrativa.
   Foi Chan quem nos recebeu e, muito simpático (apesar do “ai do ‘bixo’ que deixar meu cachorro escapar”), pediu para que nós entrássemos na casa, na enorme casa que agora era uma república. Depois que todo mundo entrou, Chan fechou o portão com a chave (pensei “Normal, os tempos mudaram, a criminalidade está alta, segurança é tudo e...”). Já no interior da república, a primeira impressão que tive do ambiente foi a de um “caos organizado”: pilhas de livros de um lado, Cds de música em outro, algumas mesas, cadeiras... Em seguida, apareceu um “veterano” (acho que não era de DI) meio antipático, dizendo que todo mundo cairia na piscina depois que estivesse bêbado (“Ele deve estar brincando, mas... E se for verdade? Eu não bebo mais, porra!”, pensei comigo, sendo sincero e, agora, lamentando a derrubada da “virtual” estátua “unespiana” de “pinguço”, erguida em minha homenagem). Depois, os outros “veteranos” foram aparecendo, trataram todos bem (menos o coitado do engenheiro), conversaram, brincaram, muitas risadas ecoando pela sala... E de repente: “Segura aqui minha lente de contato” ou “ Perdi minha lente de contato” ou, ainda, “Que merda, pisaram na minha lente de contato”, ou algo assim, só sei que tinha “lente de contato” na frase dita pela “veteranete”. Em seguida, todo mundo desapareceu... Na verdade, os “veteranos” desapareceram e apenas os “bixos” (incluindo eu) ficaram ali, sozinhos, na sala: prostrados, cheio de dúvidas, tipo: “Mas que porra é essa?”. Quando percebemos que tinha algo de estranho no ar, todos (principalmente as meninas) começaram a entrar em pânico (menos o engenheiro). E começamos a gritar o nome de Chan... Mas ninguém respondeu!
      _ Um de nós vai ter que ir atrás de Chan e pedir pra ele abrir a porta! – alguém disse.
     “Boa ideia!”, pensei comigo.
       _ Mas quem vai então?
     _ Que tal o mais velho? – John sugeriu, rindo.
     “Putz! Que bosta de ideia, John!”, pensei, mudando de opinião na hora.
           Como ninguém decidia, Magye resolveu ir atrás de Chan. Para não ficar feio (eu era o mais velho), fui junto com ela. Enquanto isso, o restante dos “bixos” permaneceram na sala, tentando encontrar a chave da porta principal, que deveria estar em algum lugar (o que eu considerava uma missão quase impossível, pelo “caos organizado” em que o ambiente se encontrava). Mas eis que alguém, por algum milagre, encontra a chave, de modo que eu e Magye nem precisamos ir atrás de Chan. Marky preparou um bilhete, avisando os “veteranos” que iríamos comer alguma coisa, mas que, depois, voltaríamos (até parece!). Então começamos a pensar na melhor maneira de fugir da república.
    _ Primeiro, a gente abre a porta e o portão... Depois, fecha ambos e joga a chave no quintal! – alguém sugeriu.
     _Não! Os “veteranos” podem não encontrar a chave depois... Mas também não podemos largar a casa deles aberta: se não der para fechar a porta, pelo menos o portão deve ficar fechado! Vocês saem para a rua, eu fecho o portão, devolvo a chave no lugar que a gente encontrou e, depois, eu pulo a grade! – Sugeri, e todos concordaram.
   No entanto, logo que a porta foi aberta, percebi, de cara, que era quase impossível pular a grade (se não me engano, ela possuía até mesmo uma cerca elétrica). Então, infelizmente, além da porta, o portão também ficaria aberto. Por um momento, pensei em fechar a porta e jogar a chave pela janela, mas fiquei com receio dos “veteranos” não acharem a mesma, depois. No momento em que todos os “bixos” já estavam na rua, entrei sorrateiramente no interior da república (estava de “sangue frio”, algo surpreendente para alguém que sofria de ansiedade), deixei a chave perto do bilhete que Marky escreveu (pois havia me esquecido do lugar aonde a mesma havia sido encontrada) e, logo em seguida, partimos em direção ao Habib´s (pois estávamos com muita fome).
   Depois do susto, fiquei com muita raiva (juntamente com Marky, que estava no meu carro), desfilando todos os palavrões possíveis e impossíveis, enquanto dirigia. Aquele acontecimento na Vinoma foi uma grande decepção! “Logo agora que as coisas pareciam ter se acertado; logo agora que os ‘veteranos’ estavam se mostrando tão simpáticos (após o evento das fantasias); logo agora que...”, enfim, a minha boa impressão de tudo estava voltando à estaca zero: eu me sentia iludido, enganado... “Realmente, na Unesp, tudo é do ‘naipe’ daquele horrível banho de tinta da matrícula”: não tinha como pensar de outra forma. No entanto, num segundo momento, a mágoa e o ódio deram lugar a um sentimento de preocupação: “Como os ‘veteranos’ reagiriam à nossa fuga da Vinoma? Ficariam com raiva? Iriam querer ‘descontar’ de alguma forma?”. Quando chegamos ao Habib´s e nos acomodamos em uma mesa, o engenheiro ainda disse: “Não sei porque vocês entraram em pânico: isso que aconteceu é muito comum, em qualquer faculdade!”. “Muito comum? MUITO COMUM?”, minha alma remoía de aflição. “É, eu sabia que poderia acontecer, mas acontecer isso logo na primeira festa é ‘foda’!”, John disse, confirmando a minha opinião sobre tudo.
     De repente, avistei, em outra mesa, a minha turma do cursinho do Prevê: Cyrinda, Bibi, Carl, Diana Lee... Era a minha querida (e antiga) turma, que tantas alegrias me deu no passado, antes de eu “entrar” na Unesp (que, para mim, estava sendo o verdadeiro inferno na Terra). Que queda de nível havia sofrido a minha vida! “Quem tá bem não anda com largado!”: eu havia, simplesmente, jogado na lata de lixo o referido ditado (criado pelo meu patrão). Ao mesmo tempo em que eu pensava: “Porra, passar no vestibular não era o que eu queria? Não era o que todo mundo queria? Então, o que deu errado?”. Sentia que até mesmo a sociedade moralista (“Você deve fazer uma faculdade para ser alguém na vida!”) havia me enganado.
     Eu estaria cometendo uma grande injustiça se esse tipo de decepção tivesse acontecido apenas comigo... Mas não aconteceu! Conheci várias pessoas (“bixos” e “veteranos”) que tiveram algum tipo de “depressão” ou descontentamento (muito piores do que os que relatei) ao adentrar ao “maravilhoso mundo da Unesp”. Todos nós temos um lugar dentro da nossa mente, que contém uma espécie de mundo proveniente de lembranças de tempos mais felizes (que jamais esquecemos) e que, infelizmente, não conseguimos trazê-los à tona novamente. No entanto, ao adentramos em um ambiente novo (no caso, a universidade), sempre existe uma certa esperança de poder, pelo menos, tentar recriar esse mundo feliz (que tanto nos deixou saudade). O fracasso dessa tentativa é que nos torna tão tristes, tão desanimados e, por que não dizer, tão intolerantes. Demora um pouco para se acostumar com algum novo lugar, com as suas pessoas e com os seus preceitos... Alguns demoram mais para se adequar, outros menos... Um pouco de força de vontade é fundamental para vencer essa dificuldade inicial que, vencida, nos dá um novo tipo de ânimo para continuar... Mas não é fácil... Só Deus sabe como não é fácil...
      “Tentar recriar o nosso mundo, proveniente de lembranças de tempos mais felizes”: bom, o mais próximo que consegui disso, depois que voltei para casa naquela noite, foi ouvir o meu novo Cd dos Stones. O rock, para mim, sempre foi uma boa maneira de se esquecer dos problemas... Pelo menos, enquanto a música estivesse rolando no aparelho de som...

4 comentários:

  1. Alê, o Marky já havia me contado essa história! Que loucura, rapaz! E o cara, falando que é "normal"... normal?? Ah! e sobre estar animado qdo compra um cd, eu tbm apresentava essa tendência a felicidade... uma vez, qdo comprei abbey road do beatles... foi maravilhoso! rsrs... agora troquei essa animação por livros! abraço alê!

    ResponderExcluir
  2. Muito bom.
    A revolta por ser abandonado lá é a melhor parte.
    A expressão "queda de nível" me lembrou o glorioso cartunista Henfil. Por acaso você já leu?
    Abraço.

    ResponderExcluir
  3. Valeu, Danilo! Há muito tempo atrás, quando comecei a escrever, eu me preocupava mais em narrar fatos. No entanto, constatei que a narrativa se torna muito mais interessante ao se colocar, também, opiniões no decorrer da mesma (como você citou, "A revolta por ser abandonado lá é a melhor parte"). Não me lembrava dos cartuns do Henfil, mas dei uma olhada no Google e pude recordar alguns de seus famosos Cartuns (gostei, principalmente, das críticas contra o governo e as injustiças sofridas pelos trabalhadores). Grande abraço!

    ResponderExcluir
  4. Então. Me refiro exatamente ao personagem Graúna e Bode Orelana. Havia tirinhas em que o Graúna tinha "quedas de ânimo" (resultado da realidade do país, na época). Em outra passagem, um dos personagens perde a paciência e xinga o Graúna, caindo ao chão logo em seguida (queda de nível).

    ResponderExcluir